quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O CONCURSO ARQUITETÔNICO PESSOAL

Importante é se dar conta:

não é preciso viver o tempo todo “entre as paredes do velho mundo que erguemos dentro da gente”.

O que está erguido pode ser demolido e novas construções iniciarem.

Que tal criar um concurso arquitetônico pessoal para novas, mirabolantes e alegres construções interiores?

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

A VIDA DAS PESSOAS

Toda a estória necessita de transformação e conflito - não devemos ter pena dos personagens:

"Sempre se diz que escrever ficção exige textos mais visuais. Eu não concordo. Para mim, escrever contos, romances, teatro ou cinema é a mesma coisa, é apenas contar histórias. Você acha personagens, escreve sobre situações morais, sobre a vida das pessoas entrando em colapso."

Hanif Kureishi

sábado, 14 de novembro de 2009

DESENLACE

O desenlace.

"Era nesse ponto que Carver trabalhava com mais obsessão. Ele dizia que um conto deve terminar sem fim: 'no mesmo estado em que fica a comida quando estamos almoçando e o telefone toca'".

terça-feira, 10 de novembro de 2009

MEU NOME NÃO É ERIC

Um bar na Cidade Baixa, em Porto Alegre. Sentados em uma mesa na calçada, dois jovens de pouco mais de vinte anos conversam.

— Ela era a guria mais bonita do bar e eu tava recém na minha primeira cerveja.

— Cara, a guria mais gostosa do bar tava te secando e tu não fez nada só porque tava na primeira cerveja?

— O que eu podia fazer? Eu era assim naquele tempo. Eu era um beatnick romântico, o sexo pra mim não era desvinculado de uma atitude de conhecimento profundo das gurias. Precisava ficar meio bêbado até as conhecer direito, sacar se tínhamos coisas em comum, se éramos beats mesmo.

— E tu deixou ela escapar. É isso que tu tá me contando?

— Quê que eu posso fazer? Eu lia Eric Fromm naquela época. Ei, não é pra rir. Minha mãe me obrigava a ler este tipo de coisa.

— E tu nunca mais viu ela, a guria mais gostosa do bar te secando.

— É. Ela não apareceu mais naquele bar, pelo menos nos dias em que eu frequentava.

— E aí, a moral da história? Tu deixou de ser um “beat romântico”? O cara que não conseguia chegar numa garota antes da primeira cerveja?

— Não era a cerveja. Era o conhecimento profundo. E, bem, não leio mais Eric Fromm.

Pausa.

— Não leio mais Eric Fromm, respondi a tua pergunta.

— Não tou falando disso. Quero saber dela, dos peitos dela, da bunda dela, “Eric”.

Pausa.

— Meu nome não é Eric...

— Eu sei que não é. Estou te gozando.

— Que tu tem contra os beats?

— Não tenho nada. Nada mesmo. Nem sei do que tu tá falando.

— Jack Kerouac, Burroughs, Allen Ginsberg, esses caras foram importantes na minha vida.

— Tudo bem, Eric, podem ter sido, eu não tou falando nada.

— Sugerindo?

— Talvez.

— Olha, não venha com essa, tu é ...

Uma garota se aproxima. Muito gostosa, chama a atenção dos dois.

— (cochichando) Minha guria.

— “A” guria?

— Oi amor.

Ele a beija e puxa uma cadeira para ela sentar.

Ela vê uma conhecida duas mesas à direita e vai até lá dar um rápido “olá”.

Os amigos encontram as cabeças no centro da mesa, ares de confissão.

— Não. Nunca tive uma guria como aquela.

Ela retorna.

— Do quê cês tão falando?

— Eric Fromm. (apontando para o namorado) Ele era veado, tu sabia?

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

MATILDA

A menina pergunta a avó por que existe tanta pobreza. A avó, com a cara das avós quando são surpreendidas pelas crianças, responde porque existem mais anjos do que asas no mundo, e os anjos que não conseguem ter suas asas acabam ficando na terra, pobres, tristes, infelizes, até tornarem-se essas pessoas que vemos todos os dias na vizinhança. Eles são assim porque não conseguiram voar até o céu, diz a avó. A menina olha a avó fazendo o jantar por um longo tempo, sentada na mesa da cozinha, com os deveres da escola abertos sobre o tampo de madeira.

***
Matilda foi encontrada no galho do abacateiro, ao lado do telhado da casa, pendurada. O corpo balançando suavemente ao sabor do vento. O lençol recortado em formato de asas havia enganchado no galho, uma tira amarrada em volta do pescoço para grudar a asa ao corpo de Matilda, como uma capa de super-heroína, sufocava o pescocinho. Nas costas, a mochila do colégio. Encontraram nove outras asas, feitas de lençóis. O suficiente para acabar com a infelicidade de nove anjos, moradores daquela quadra, Matilda havia pensado.

sábado, 7 de novembro de 2009

O CORPO

Para atrizes (e atores), que possuem um fabuloso domínio corporal, é fácil dizer:

"Primeiro faça o corpo se mexer. Materializando nos movimentos coordenados do corpo as tuas vontades tudo o mais (pensamentos, emoções) seguirá o corpo como que por encanto".

Porém, como um roteirista mais acostumado a horas de labuta sentado em uma cadeira, encurvado sobre uma mesa, teclando, dá vontade de perguntar (com um sorriso meio cansado e, até mesmo, meio enferrujado):

"Será que não posso mover o corpo só com palavras?"


É claro que não, isso aprendi.