quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

J. D. SALINGER E O CINEMA


Talvez o filme mais Salingeriano já realizado. Para nossa sorte.

A CERIMÔNIA DE ADEUS - MAURO RASI

Mauro Rasi parece ter sido uma criança precoce numa época quando o Brasil pouco se interessava por crianças precoces.

A se aceitar a Apresentação da Bárbara Heliodora do livro Trilogia, Juliano, o alter-ego de Rasi nas peças tem quatorze anos em A Estrela do Lar e “quatro ou cinco anos há mais" em A Cerimônia de Adeus.

Aos quatorze, Rasi/Juliano já era páreo como dramaturgo contra o próprio pai, e autor de uma obra sado-nazista alucinada e mordaz. Aos dezenove, conversava ora com amor, ora com ira com ninguém menos que Satre e Simone de Beauvoir. E o melhor, o casal francês respondia!

Que vergonha seria para Mauro ver-nos atualmente, num tempo quando a própria MTV indica que a adolescência só termina aos trinta anos (e olhe lá). E quando não mais do que 1% da “galera” sabe quem são Satre e Beauvoir (terem lido alguma coisa é pedir demais).

Imaginar Aspázia agüentando a energia, a raiva e as roupas sujas de Juliano dos dezenove aos trinta seria desgostar muito da complexa e impagável personagem, construída a partir da mãe do autor.

A idade.

Observar A Cerimônia do Adeus a partir da idade do protagonista é uma forma interessante de entrar no conteúdo dramático. Nessa peça, Juliano é um dramaturgo “público” em Bauru. Menos compreendido do que gostaria, porém determinado a criar. Em sua primeira cena, o amigo avisa:

“O Rotary falou que não pode ter palavrão lá. A aquela cena do final, em que eu grito que a civilização está podre, vai ter que sair.”

Sem ter local para exibir sua arte, é dentro de casa que sua imaginação febril ganha vida. Satre e Beauvoir, interpretados na temporada inicial, em 1987, no Rio de Janeiro, por ninguém menos do que Sérgio Britto e Natália Timberg (nenhuma dúvida de que Rasi era gênio na escalação do elenco) são para todos os demais apenas dois livros. Para Juliano, os gênios franceses são os únicos companheiros para debater as grandes causas e revoluções.

Enquanto isso, na casa da família, Aspázia está às voltas com Hermes, aqui um homem doente, sem falas ou ator a interpretá-lo, completamente diferente do personagem criado em A Estrela do Lar, com sua irmã, Brunilde e com o filho dela, o misterioso Lourenço.

A trama principal aqui é mais séria, bem mais seria. Trata-se dos efeitos da Ditadura Militar entre os moradores de uma cidade pequena, bem como dos efeitos do Existencialismo nos jovens “revolucionários”. Mas, pra falar a verdade, a peça não é tão boa quanto A Estrela.

Talvez tenha sido muito inovadora ou corajosa no final dos anos 80. Mas em 2009, o impacto não é o mesmo, a não ser que a estrutura e a trama da peça sejam exepcionais, o que não são.

Esse é um problema do tema mais o tempo em uma obra.

Na trama principal, descobre-se que Lourenço é um reacionário proto-torturador, possivelmente responsável pelo sumiço do irmão de Francisco, o melhor amigo de Juliano, bem como um sacana que engravida a amante semanas antes do seu casamento.

Em paralelo – é impressionante a capacidade de Rasi criar tramas paralelas dentro de suas peças. Uma influência do cinema, mas também um brutal conhecimento técnico. Em paralelo, a situação mais ampla da sociedade nos anos 60 (a peça se passa no final dos sessenta) dividida entre comunismo e capitalismo, liberdade e repressão, família e indivíduo é ilustrada com os diálogos de Juliano, Satre e Simone, que muitas vezes se transformam em conflitos ideológicos.

Nesse ambiente sufocante, é a condução da verdadeira estória (o iceberg do Hemingway) que ainda emociona.

A decisão de Juliano de partir, a incredulidade da mãe, a sensação de que não dava mais para Juliano ficar naquela peça, naquele mundo – essa dramaturgia, atemporal e universal, mantém-se forte em uma leitura atual.

Juliano parte. Porém, Rasi é do bem. Ele precisa daquela mãe.

A cena final, um doce epílogo, é Juliano de volta ao lar, muitos anos depois. Vem só para um breve alô, já dramaturgo de sucesso, anos 80. A mãe reclama: “Mas já? Depois de tanto tempo... mal chegou e já vai embora?” e depois: “Vê se com o sucesso não esquece da gente”.

Pode deixar, dona Aspázia, Mauro não esqueceu nunca de vocês. Deu inclusive o final da peça para a senhora, mesmo já famoso.

E depois partiu outra vez.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Bored to Death - A Noir-Otic Comedy – Episódio 03

"The Case of the Missing Screenplay"

Quando se usa um episódio inteiro de uma temporada para contar uma estória que pouca avança no arco dramático geral (da temporada), a sensação que fica é a de que assistimos a uma “short—storie”, um conto, como os escritos pelo Raymond Carver, com um final abrupto, melancólico (e até mesmo amargamente romântico).

Neste episódio de Bored to Death (a meia-hora usual, sem intervalos), Jason Schwartzman, ou melhor, Jonathan Ames, um escritor viciado em beber vinho branco e em fumar maconha, encontra-se com seu editor, George, chefe na revista cultural para qual trabalha como free-lancer. lembram do Ted Danson? George é Ted Danson grisalho.

Os dois bebem martinis em um clube exclusivo de Manhattan. Jason reclama da vida, Ted quer que Jason pare de brincar de detetive particular (sem-licença, ainda por cima)e se concentre em sua carreira literária. O editor é boa-praça, tanto que conseguiu um bico no meio cinematográfico (“Mulheres, dinheiro, baladas e mais mulheres”). Ted conversou com o grande Jim Jarmusch. Jim aceitou Jason trabalhando no roteiro de seu mais novo filme.

Inverossímel? Ora, Jonhatan tem um primeiro romance que pegou, o problema é que o segundo empacou, mas seu nome – pra rimar – deslanchou no meio então, temos de acreditar.

Sim: Ted leva Jason a uma festa e apresenta-o ao diretor cult. Nem a piadinha mais óbvia é descartada: “Adoro o cabelo dele” – o que salva é que, entre o cabelo branco de Ted Danson e o de Jarmusch há mesmo um abismo a ser “adorado”.

Jarmusch, cool, entrega uma cópia do roteiro para Jason, além de comentar o quanto gostou do seu primeiro romance. Jarmusch se despede e a garota que mal-olhou para Jason quando este entrou na festa está ao seu lado, interessadíssima agora, afinal, Jason conhece Jarmusch e irá trabalhar com ele. A garota avança aos beijos em Jason.

Pouco mais tarde, ela o convida para ir à sua casa.

No táxi, conversa vai, ela fala da formatura na NYU, ele pergunta sua idade (22 anos) e, quando descem do táxi em frente a um daqueles sobrados de dois andares típicos do Brooklyn, conforme o cinema e a TV não cansam de ilustrar, a luz no segundo andar é a senha para que a garota o leve para o subsolo da casa, consultório do pai, psicólogo junguiano.

Eles caem aos beijos sobre o sofá-divã destinado aos pacientes do pai da garota. Ela fala de um baile de formatura. Jason pergunta se a NYU faz bailes de formatura. Ela despista, Jason pergunta outra vez a idade da garota. Ela responde 21. Jason acha estranho. Afinal é 22 ou 21? Ela grudada no pescoço dele, dando beijinhos. Ele saca. “Você não está na faculdade”. Ela confessa. Ele se assusta. Não quer transar com uma menor. Ela tem dezesseis, mas fará dezessete em duas semanas, não é mais virgem há um ano e, provavelmente, “sabe mais sobre sexo do que ele” (a garota tem bons diálogos). Jason está apavorado, tanto que não percebe o roteiro escorregando para trás do sofá-divã.

Lutando entre o desejo e a lei, diz sentir muito, precisa ir embora. Ela sobe no sofá, tira o vestido e dança para ele, como “uma lembrança”. Ele está achando muito difícil ter de ir embora, mas o pai da garota dá uma ajuda substancial, entrando de sopetão (nada mais teatral e antiquado, mas, como podem ver, essas entradas ainda funcionam em dramaturgia) e, vendo a filha daquele jeito, olha furioso para os lados até ver a mancha de paletó correndo para dentro do banheiro, abrindo a janela, subindo na privada e pulando para fora.

Na rua, algumas casas adiante, Jason diminui o passo, toma fôlego, apalpa-se e, claro, descobre ter deixado o roteiro do Jim Jarmusch no consultório.

Na manhã seguinte (presumo), Jason está na casa do amigão Ray, o cartunista pândega interpretado por Zach Galifianakis de Se Beber Não Case, tentando achar um jeito de recuperar o roteiro.

A esposa de Ray vem há tempos insistindo para que o marido consulte um psicólogo, e Jason convence o amigo a ir a uma sessão com o pai da garota para encontrar o “paper” (mais 50 dólares mais um jantar e é o suficiente pro cara aceitar a oferta).

O problema é que Ray sai da sessão arrasado. E sem o roteiro. Descobriu aquele tipo de besteira que nos roteiros americanos funcionam bem como frases cômicas (“se eu morrer agora ninguém que eu amo vai saber o quanto realmente os amo”, “preciso de uma cerveja, acho que vou ter que voltar pra ouvir esse cara de novo” etc).

Jason conversa com Ted Danson sobre a perda. Este, mesmo concordando que Jonhatan não deu uma de Polanski, exige que vá atrás do roteiro.

Jason marca uma consulta.

O psicólogo é durão e inteligente, descobrindo em duas frases coisas profundas sobre a vida do personagem (mais um clichê americano que nunca perde a comicidade, embora irreal).

Jason escuta, atento, surpreso. Sem esquecer, porém, de sorrateiramente enfiar a mão atrás do sofá-divã à procura do seu Graal. Gesto esse percebido pelo psicólogo, que exige do paciente “as duas mãos repousadas no colo”.

Ao final da sessão, o psicólogo entrega o roteiro a Jason (aos fanáticos por detalhes: o roteiro tinha seu nome impresso em todas as páginas – uma forma de controle e segurança contra plágios – e claro, Jonhatan marcou a sessão com seu nome real).

Jason pede desculpas pelo lance com a filha do psicólogo e jura não ter passado dos beijos. “Você acha que não sei que minha filha trás caras para transar no meu consultório? Uma forma de complexo de Elecktra, mas o que posso fazer?” (essa foi boa).

Jason pede mais uma vez desculpas. “Dentro desse consultório, sou um médico, lá fora, sou um pai”. O médico acompanha Jason até o jardim da casa e, como um Dr. Jekyll transformado em Mister Hyde, tão logo livre de sua persona pública, mete um socão na cara de Jason, como pai, bem entendido, só pra deixar claro sua posição.
Jason se manda, apavorado.

Então, o gran finale.

Jason, roteiro na mão, assiste ao nosso genial Jarmusch pedalar uma bicicleta ao redor (e no interior) de um galpão vazio, o lugar que Jarmusch afirma usar para ter suas melhores idéias.

Quem leu o velho Henry Miller logo percebe a semelhança. Em um dos Trópicos, lemos que Henry adorava patinar pelo escritório onde trabalhava, relaxando, tal qual dândi nova-iorquino, antes de enfrentar nova sessão à máquina de escrever.

Jarmusch está no personagem de cineasta-cabeça, circulando numa bike antiquada com buzininha (pastoral francês, se permitem), ouvindo as desculpas de Jason por ter atrasado o parecer sobre o roteiro.

Jarmusch o interrompe. Como ele se atrasou, acabou pedindo ajuda para outro roteirista, que aceitou fazer um novo tratamento no roteiro. Decepção de Jason, que pede “Por favor, me dê uma chance”.

Jarmusch explica: “Charlie Kaufman aceitou o trabalho. Não posso dispensar Charlie”. Grande risada nossa. Realmente, Charlie...

Jason está arrasado, perdeu uma grande de entrar nos eixos profissionalmente, etc.
Jarmusch percebe e tenta dar uma força. “Não se preocupe, faço um filme a cada 4 anos. No próximo, chamarei você”.

A expressão de Jason ouvindo esse quase vaticínio é magnífica. O final, no final das contas, é tristíssimo com sua nota de ironia inteligente, sua decepção adulta, sua verdade cruel sobre o meio.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

SUPERBAD - É HOJE

Superbad – É Hoje – pode ser visto como o filme que narra o dia e a noite anteriores a manhã quando dois melhores amigos, pela primeira vez, chegam juntos a um lugar e saem separados, cada um ao lado da futura namorada. E estranham demais tal fato.

O amadurecimento sexual e social, quando já não basta a companhia do melhor amigo – “Eu te amo, cara” – e, das meninas, se entende, finalmente, que sua presença é crucial para o futuro e transcende a vontade de receber sexo oral.

Direção: Greg Mottola
Roteiro: Seth Rogen e Evan Goldberg

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

“LARRY DAVID” NO RIO

Uma cena para “Larry”.

Imaginem “Larry David”, criador do seriado Curb Your Enthusiasm, caminhando no calçadão de Ipanema. Veste bermuda bege, camiseta pólo azul escura, boné de pescador e sandálias com meias de cano alto. Ele caminha dividido entre digitar uma mensagem para Los Angeles no celular e olhar o bumbum das cariocas.

Uma kombi estaciona com estardalhaço ao seu lado, no meio-fio do calçadão. Imediatamente, um homem e um garoto saem da kombi e começam a retirar pilhas de cadeiras de praia, guarda-sóis (ambos vermelhos e velhos, mofados) e dois grandes isopores.

“Larry” se refaz do susto (imaginou que seria atacado) e observa. Uma buzina soa, alta, irritada. Logo outra buzina acompanha a primeira. E mais uma.

Intrigado, “Larry” estica o pescoço para ver o que está acontecendo. Uma fila de carros e ônibus se formou atrás da kombi. “Larry” não gosta do que vê. Gira a cabeça para a frente da kombi e vê que o sinal à frente está verde.

Alheios às buzinas, ao sinal verde e, principalmente, alheios à “Larry”, o homem e o menino terminam de descarregar a kombi. “Larry” desabafa para si: “Bem, caiam fora, seus malucos, antes que vocês sejam responsáveis por engarrafar o trânsito de Ipanema até o Brooklyn!”.

O menino entra na kombi e sai arrastando cinco caixas de latinhas de cerveja. “Larry” não acredita no que vê. Olha outra vez para atrás da kombi, onde carros de passeio e ônibus tentam furiosamente sair para a faixa da esquerda e, quando conseguem, passando pela kombi acelerando, os motoristas berram impropérios.

“Larry” sente-se tomado por uma comichão de pura raiva. A necessidade de intervir, de reclamar, de jogar uma luz que seja – por mais mal-humorada que seja, por mais neurótica – naquela situação absurda o invade. Ajeita os óculos com a ponta de um dedo.

“Eu não acredito. Ei. Ei! Man? Ei! Eu não acredito! Pra descarregar a kombi você parou o trânsito em Ipanema. Sabe o que significa isso? Você, com a sua kombi caindo aos pedaços, tá conseguindo atrapalhar a manhã numa das praia mais famosas do mundo.”

O homem, que se erguera para ouvir o estrangeiro, volta a se abaixar e arruma as latinhas de cerveja dentro do grande isopor.

“O senhor dê licença. Só tô trabalhando”.

“Ei. Trabalhando? Você está atrapalhando, man. Se a garota de Ipanema quiser atravessar agora na direção do mar, não vai poder. Você bagunçou o trânsito”.
O homem dá uma ordem pro menino, que levanta cinco cadeiras de praia e as carrega para a areia.

“É isso que eu estou vendo? Você só vai tirar a kombi depois de carregar toda essa tralha pra areia?”.

“Moço, só tô trabalhando”.

Larry agarra irritado o celular e tenta ler os números, a claridade do sol o atrapalha.

“Cadê, cadê? Merda, devia ter colocado os óculos escuros. Fico ridículo de óculos escuros mas... Ei! O número da polícia” – “Larry” levanta a cabeça e olha ao redor, para as pessoas que já fazem um semicírculo meio à vontade ao seu redor – “Aqui também é nine-nine-one? What? Nine-nine-one,police? No? What?”

Uma senhora reclama: “Esse aí faz isso todo o dia, moço. Todo o dia. E ó, não tá nem ai”.

Uma garota bonita, vestindo reduzidíssima e cara roupa esportiva, resolve intervir: “Eles só tão trabalhando. Só tão correndo atrás de uma grana, coitados”.

“Larry”: “Não tenho nada contra correr atrás de uma grana, mas atrapalhar o ir-e-vir de centenas de pessoas?”.

A garota bonita aumenta o tom da voz: “Deixa ele. Vai se meter com os problemas da tua cidade”.

“Larry”, paciente, tentando argumentar, segurando a onda: “Mas... Mas. São centenas de pessoas! Ele atrasa os motoristas dos carros; E atrasa os motoristas dos ônibus e. Pior. Atrasa todos os passageiros dos ônibus. E atrasa quem circula, porque fica na faixa sem saber se vai ou não vai, porque o motorista sai irritado e passa no sinal amarelo e. Bem. Porque eu preciso ter pena dele? Porque você não tem pena das pessoas dentro dos ônibus, no calor, sem ar-condicionado, atrasadas pra suas vidas?”
O homem terminou de encher os isopores.

A garota bonita diz que “Larry” é muito gringo, sempre com pressa, que precisa aprender a relaxar, a viver no Rio como os cariocas, a ser mais tranquilo.

“Larry” olha a garota de cima a baixo. Junto com a expressão admirada, um olhar traquina invade seu rosto.

“Larry”: “Você é uma gracinha. Uma gracinha. E... gostei da ideia. (vira pro homem) Quero alugar uma... (olha com nojo) Uma dessas... dessas... Essa... (se rende) cadeira? De praia. (tira uma nota do bolso) Cinco dólares, ok? Cinco dólares pela... ca...hmm, deira... (Larry mostra a nota pro homem, que a aceita).

“Larry” pega uma cadeira e a abre no meio do calçadão. As pessoas ao redor sorriem. Quem caminha precisa diminuir o passo. “Larry” se instala com meio teatral, meio vaudeville e cruza as pernas, olhando para o penhasco Dois Irmãos.

“Pronto. Aqui está ótimo”.

As pessoas que correm e caminham ficam confusas com “Larry” tomando todo o centro de um trecho do calçadão.

O homem entra na kombi e parte.

A garota bonita observa “Larry”. “Larry” observa a garota.

“Você tá atrapalhando as pessoas”.

“Não estou não”.

“Está sim”.

“Não estou. Quem estava atrapalhando era aquela kombi. Eu não”
A garota bonita injeta os olhos de pura raiva e ladra: “Egoísta” – dá uma rabanada e vai embora.

Como se liberando uma necessidade reprimida, os demais participantes iniciam uma debandada curiosa. A maioria ri enquanto se afasta, mas muitos saem xingando “Larry”, que faz sua melhor expressão de Harpo Marx, fazendo de conta que não sabe o que se passa.

“What? É proibido? What? Pegar sol agora é motivo pra cara feia?”.

domingo, 24 de janeiro de 2010

CURB YOUR ENTHUSIASM — SEGURA A ONDA

Crônica sobre a neurose e o egoísmo

“Voy a hablar de la comedia que más me gusta. Pero debo hacerlo con cuidado, porque — sin duda — no es la mejor comedia. Las hay mucho mejores, y no quiero engañar al lector. Lo que tiene Curb Your Enthusiasm es que su creador es un reverendo hijo de puta. Uno de verdad: con su maravilloso egoísmo y su mezquindad caprichosa”.

Segura a Onda é um seriado da HBO americana, produzido, escrito e estrelado por Larry David. O cérebro por trás de Seinfeld (Jerry Seinfeld sempre foi o coração).

Nesse seriado, assistimos ao que deve ser tomado como uma versão da vida real de “Larry David”, 62 anos, comediante, homem de TV e protagonista do mais recente filme do Woody Allen. Suas desventuras egóicas e mesquinhas, sua visão de mundo, seu talento para arrasar o lugar-comum (às vezes sob o efeito de mais lugares-comuns).

Durante seis temporadas, Curb seguiu Larry pelos meandros do politicamente incorreto, mas foi na sétima temporada, apresentada ano passado pela HBO, que Larry David apresentou uma das metalinguagens mais importantes da TV.

Porque a sétima temporada foi a temporada do retorno do seriado Seinfeld à TV mundial. Um retorno que, ao final se descobre, nunca houve.

E o não haver foi o genial. Larry David brincou à vontade com “suas criações”, seus “duplos”, como uma espécie de Philip Roth de Operação Shylock. Porque em nenhum momento Jerrry, George, Kramer e Elaine (ou Jerry, Jason, Michael e Julia – os nomes verdadeiros dos atores (e atriz) do seriado) se “reuniram”.

Os atores e os personagens do seriado Seinfeld existiram apenas na realidade fictícia de Curb Your Entusiasm. Um mundo muito pouco real. Um mundo paralelo, onde a metalinguagem impera.

Nesse universo, quem manda é Larry. E o que vimos foi o que Larry achou que deveríamos ver sobre os quarto atores retomando os quatro personagens de TV icônicos, algo completamente Pirandello, por sinal.

O pior: a motivação para que o Larry David do seriado reunisse outra vez seus ex-parceiros foi basicamente como uma desculpa para se reaproximar da ex-mulher.

Que romântico!

Tomado da embriaguez da paixão, Larry começa a fantasiar que Cheryl, sua ex-esposa, voltaria a amá-lo se ele conseguisse produzir uma nova temporada de Seinfeld e amaria-o ainda mais se dela fosse o papel da ex-esposa de George Constanza.

Com o plano esboçado, Larry vai realmente à luta. E então começam as dezenas de subtramas que deram o tom da temporada.

Na subtrama do comeback, Larry, tal qual político em campanha, visita cada um dos atores para convencê-los da empreitada. O problema é que Jerry acha inverossímil que George tenha se casado (melhor, que alguma mulher tenha se casado com George). Muita argumentação depois, Larry convence Jerry do absurdo. Pronto. Aliviado, jura que “seus problemas acabaram”. Não acabaram. Jerry encontra em uma rua de Los Angeles Meg Ryan e a convida para o papel. Larry surta, claro.

Indo adiante: em determinado momento, todos aceitam que Cheryl faça o papel da ex-esposa. Começam os ensaios e, claro, começa também a violenta crise de ciúmes de “Larry” sobre “Jason”, tão íntimo de “Cheryl”, sua ex-esposa e ainda musa.

Larry decide acabar com o retorno. Não admite perder sua ex para Jason (a piada reverbera em longo alcance quando sabemos que George é o personagem criado por Larry em Seinfeld como seu duplo, o personagem em que Larry jogou muitas de suas neuroses e irritações durante as nove temporadas da série. Ser traído por Jason/George é o mesmo que o criador ser traído pela criatura e isso Larry não consegue suportar).

Mas o pior mesmo (e o mais irônico – o que significa inteligência porque não há um final realmente feliz para nenhuma das subtramas – muito menos para esta, romântica), o pior mesmo é que, quando a ex-esposa se aproxima pela primeira vez carinhosa, as manias, chatices e o individualismo exacerbado de Larry falam mais alto, impedindo a reconciliação por uma besteira. Digo, uma besteira mesmo. E, assim, por algo completamente humano.

Por outro lado...

Curb é uma crônica boba sobre um misantropo? É também. Se discute algum assunto com a profundidade cômica dos melhores Woody Allen? Não. Porém. É um produto HBO no que eles têm de mais importante: não são condescendentes com o espectador. Larry David não joga só para a torcida. Não faz o que todo mundo acha que é engraçado. O uso do anti-herói é tabu na TV. Veja a TV brasileira, acho que os últimos anti-heróis foram o Fábio Junior em Roque Santeiro e o Seu Quequé do Ney Latorraca, sem contar os personagens do Gilberto Braga, talvez o maior mestre na criação de anti-heróis da TV brasileira. Por que isso? Por que não fazer o público ir atrás? Por que sempre escrever para o público entender tudo e não se interessar de verdade por nada? Por que não entregar o novo com tanto talento que o público acaba "entrando na onda"? Eis um mistério.

Voltando à Curb e sua estrutura dramática.

Há o arco da temporada - a reunião de Seinfeld -, há o verdadeiro arco (o iceberg do Hemingway) - que é Larry buscando reatar com a ex - e há, em cada episódio, a série de quiprocós que dão o sabor único do programa. O melhor: uma situação leva à outra. O programa não é feito de piadas soltas (nada contra mas é bem mais difícil escrever muitas piadas conectadas em uma situação dramática - porque significa comédia/humor/graça MAIS continuidade narrativa).

Ao contrário da maioria dos sitcoms, não há elipses. Nos sitcoms, estamos em um único cenário e vemos uma trama ser criada por meio do diálogo. Exemplo: George marcou um encontro com uma ex-namorada. Ele conta para Jerry o que espera do encontro. George sai para o encontro. Elipse. George volta ao apartamento de Jerry (no dia seguinte, na mesma noite) e conta o que aconteceu no jantar com a ex-namorada. O humor vem das palavras, da descrição que George fará do encontro e dos comentários espirituosos de Jerry.

Em Curb, acompanhamos Larry por toda a situação. A conversa pré-encontro, a ida ao restaurante, o encontro, o desastre, o retorno para o apartamento do Jerry e mais os comentários de Jerry sobre o desastrado encontro.

Ao eliminar essa convenção do gênero (que é também uma convenção criada por motivos financeiros, pois elimina externas e diminuiu o tempo de gravação dos episódios) Larry realmente nos coloca dentro da sua visão de mundo. Porque é no meio do trânsito de Los Angeles (indo ao encontro), na fila de espera do restaurante e na conversa com o maître, nos assuntos abordados com a ex e no retorno ao apartamento do amigo que o confronto de Larry com a realidade se exibe com maior força cômica. Porque Larry não tem algo a dizer contra a ex, mas contra tudo e todos e só acompanhando-o passo-a-passo veremos por inteiro sua personalidade.

Tal experiência recebeu até uma denominação meio forçada, porém válida: “Comédia Verité”.

Curb se mostra, dessa forma, como um passo além na estética do sitcom com suas estratégias metaficionais, seu interesse em confundir as fronteiras entre a realidade e ficção (devemos lembrar que tudo é uma grande mentira em Curb) e na improvisação de muitos diálogos nas gravações (lembrando que a construção dramática de uma situação, quando bem escrita, sempre dará espaço para atores talentosos improvisarem sem que se perca a essência).

Por fim, Curb é a última estação dessa tradição muito norte-americana do humorista narciso, misantropo e incômodo que ao final acaba ganhando o carinho do público justamente por causa dos seus (nossos) defeitos.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

A ESTRELA DO LAR - DE MAURO RASI

Encenada em 1989, A Estrela do Lar ainda fascina. A peça tem uma estrutura nada ingênua e uma técnica apurada, o que levanta a seguinte questão: por que as peças de Mauro Rasi eram chamadas de besteirol?

Se A Estrela do Lar é ou foi um besteirol ou exemplo de “teatro raso” então boa parte do atual “entretenimento” comercial brasileiro (seja TV aberta, seja cabo, seja teatro ou cinema) é “besteirol ao quadrado”.

Senão, vejamos. A Estrela do Lar dramatiza a vida de uma família do interior paulista durante os dias pré-ditadura, na década de 60 do século passado. Há o pai, dono de um pequeno comércio, escritor de versinhos e teatrólogo amador. Há a mãe, dona de casa eficiente, classe-média interiorana, personalidade tão ímpar, tão teatral na sua maneira de ver o mundo que não resta ao filho outra coisa senão gravar suas conversas ao telefone com as amigas, fascinado que está pela força da sua oralidade trivial.

E há Juliano, o filho. O jovem Mauro Rasi, inconformado com o destino. Um artista “decadente”, vivendo e sendo sustentado por pais tão “caretas” e “pequeno-burgueses” (alguém ainda sabe a conotação que devemos entender quando lemos “pequeno-burgueses’?).

Juliano com ódio das peças bobas do pai, rouba as folhas datilografas da peça “Dr. Alvarenga” para, no verso, datilografar como num parricídio simbólico, sua peça: “O Macho Familiar”, um arrozoado com pretensa influencia Passoliniana (Teorema), mas que na verdade é um pastiche maluco de tragédia grega, sexualidades complexas e masoquista e nazismo – tudo querendo dar a impressão de Grande Arte (na cabeça de Juliano) mas que Rasi consegue transmitir como algo bem Charlie Kaufman para o leitor – ou seja, Rasi não é ingênuo como Juliano e apresenta a peça “degenerada” com o humor e o distanciamento certos. A impressão é a de que Rasi relembra a si mesmo em Bauru (sua cidade natal) quando jovem escrevendo furiosamente suas peças anti-establishment (agora com o olhar competente do profissional) sem perder a ternura por ambos os mundos – o mundo do jovem querendo ser grande artista dentro do quarto e morando com os pais – e o mundo das influências teatrais e fílmicas européias (alemãs e francesas, principalmente), estagnadas, expressionistas e devassas, reverberando a tragédia da Segunda Guerra eminente.

A maluquice é que a peça “lado A” do papel, a peça do pai, também é “encenada” para o público, lida por Nielson no começo, mas depois tomando vida própria. Nela, o Dr. Alvarenga, cientista abnegado, trabalha em seu laboratório com afinco buscando uma vacina contra a leucemia. Com ele, sua assistente, Olívia. Dr. Alvarenga e Olívia acabam se apaixonando platonicamente, o que faz com que sua esposa exija da moça o abandono do emprego. Essa é uma peça simplória, um draminha água-com-açúcar, baseado realmente em uma peça escrita pelo pai de Rasi e que contrasta brutalmente com a peça de Juliano.

Para completar, há a peça no presente. Nela, Juliano se tranca no quarto com Nielson, seu melhor amigo, para escrever com ódio e energia sua peça nazista enquanto na sala e na cozinha, a mãe realiza seu afazeres domésticos, conversa com os parentes ao telefone, espera o marido para almoçar, relembra do terreno “naquela esquina” que há trinta anos o marido deixou de comprar por uma ninharia e que agora foi vendido por uma fortuna para um supermercado ali construir sua nova loja, recebe a visita de uma parente que a convida para a Marcha Patriótica pró-militares e contra o Jango, etc.

As três peças acontecem numa montagem paralela cinematográfica, com o diferencial e a dificuldade que os atores das três peças são os mesmos e estão atuando ao vivo, no palco.
Só essa variação deve ter dado um dinamismo extraordinário à peça quando encenada.

Claro que as referências de A Estrela do Lar “envelheceram” – já não eram nem as da minha geração. Nas referências Mauro Rasi lembra muito o Caio Fernando Abreu, por causa da cultura européia “degenerada”, cult. Baudelaire, Gide, Pabst, República de Weimar, Oscar Wilde, Zarah Leander.

Mas se militares e jovens sonhadores influenciados por Nietzsche, feitichismo sadomasô do nazismo ou Jean Cocteau desapareceram da face do país, algo da estrutura familiar retrata em A Estrela do Lar se manteve. Falo de Aspázia, a mãe-musa-antagonista de Juliano, a dona de casa que ainda hoje existe como personagem em, por exemplo, A Grande Família.

Marieta Severo deve ter dado um show como Aspázia/Rita na temporada de 1989, redefinido o tipo. Porque ainda hoje, vinte anos depois, é aceita pelo público como encarnação da dona de casa decente, preocupada com os filhos e com o marido. Marieta Severo deu luz à uma forma de interpretação (que foi novamente burilada em 1997, em um dos episódios mais engraçados do extinto programa Comédias da Vida Privada, na pele da mãe zelosa de um hilário “vagal” interpretado por Murilo Benício).

Voltando ao texto: se a última fala de Juliano é explicando que alguém deve morrer em sua peça para que esta ganhe o lastro, a complexidade algo excêntrica que ele tanto anseia, Rasi a contrapõe com grande inteligência à fala final de A Estrela do Lar (Aspázia, é claro, a pronuncia) quando ouve-se mesmo um tiro, o que assusta os familiares, somente para que ela acalme a todos: “Deve ter sido um abacate” – caindo contra o teto de zinco.

O tiro encharcado de uma idéia de cultura sofisticada e decadente dá lugar ao cair de um abacate contra um teto de zinco. E o que poderia acabar em tragédia e guerra, acaba com uma mãe tranqüila em sua capacidade de explicar o mundo. Nada mais brasileiro.

Por isso, detrás de sua metalinguagem sofisticada, A Estrela do Lar é também e ao final, uma rendição completa à figura da Mãe.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

DESPERTANDO

Na sala: chão molhado, cadela escorregando ao tentar correr, faxineira apavorada com possibilidade de cadela se machucar.

FAXINEIRA: "Ai Meu Deus! Ai Meu Deus"

Dono da casa entra.

DONO DA CASA: (tomando o controle, bradando) Deita! Deita!


No quarto: dona da casa acorda com as vozes e imagina o seguinte:

um ladrão dentro de casa apontando a arma pra faxineira e berrando "Deita, deita", enquanto a faxineira, em pânico, vai deitando choramingando "Ai Meu Deus, Ai Meu Deus".

APATOV E A COMÉDIA: MAIS O TEMPO PASSA, MELHOR FICA

A evolução temática de Judd Apatov

Muita gente acredita que a comédia, por natureza, não alcança as Questões Verdadeiras com a mesma energia que a tragédia. E pior, que o comediante, com o passar do tempo e o sucesso, perde o vigor.

Na verdade, todo verdadeiro comediante cresce dramaticamente com o passar do tempo. Aborda assuntos cada vez mais sérios e complexos, sem jamais perder a graça. Com Chaplin foi assim, com Woody Allen foi assim, entre outros. Atualmente, com Judd Apatow.

Por que com o Casseta & Planeta não aconteceu isso? Por que falta-lhes fôlego para 2 horas de um filme? Por que parece não existir assunto, trama, necessidade de narrar alguma coisa engraçada com os caras quando decidem pularem dentro do meio cinema?

O pior: quando o Pânico na TV produzir seu primeiro longa-metragem (Pânico no Cinema, hein? Criatividade...) E ISSO LOGO VAI ACONTECER, o que devemos esperar? Eu, em um mundo perfeito, como diria Clint, espero muito. A realidade é que será apenas engraçadinho ou muito louco. Não será um filme. A estrutura não vai ser pensada. Pra falar a verdade, tá caindo de madura essa verdade: o Pânico faturaria horrores com um longa (e se misturasse terror com humor, então!).

E quando o Marcelo Adnet e a nova turma do stand-up comedy se tornar veículo para filmes de humor? O Adnet tá pronto pra estrelar uma narrativa esperta, do feinho que é o máximo da galera. É, mas também há o perigo de se transformar em algo bonitinho, legalzinho e o pior, sem fôlego para 2 horas.

Pois bem, quando tudo acontecer (o terceiro filme dos Cassetas, o primeiro do Pânico e do Adnet) por favor, lembrem do Apatow.
Lembrem do Apatov (como um vaticínio algo teatral)

Tudo o que é nosso é comédia.

Senão, vejamos: Apatow se lança diretor em 2005 contando os últimos momentos de virgindade sexual de um homem (hetero) de 40 anos de idade. O filme acaba imediatamente após a primeira trepada. No exato clímax (não é mesmo?). A partir desse ponto de partida bizarro para hoje (observar que não havia nada de católico ou religioso no personagem, nenhum problema de saúde, nenhum ferimento de guerra hemingwayano – nenhum impedimento dramático clássico), Apatov criava a expectativa. Alguém sabe que Expectativa é um bom começo para se projetar em um filme? Será que... Alguma comédia brasileira pode existir usando bem a expectativa? Porque o que é O Virgem de Quarenta Anos senão a expectativa do público, assistindo a tantos “planos frustrados”, a tantas “roubadas”, de que o personagem de Steve Carell finalmente consiga dar a sua bimbada em paz? Qual era a graça? O momento certo jamais acontecia do jeito certo para o Carell. Ao espectador restava aguarda, se perguntando quando esse cara vai transar.

Dois anos depois, Apatov surge com uma temática bem mais madura. Viram só? Bem mais madura. Não mais idiota ou menos enérgica ou menos inteligente ou menos engraçada. Mais madura. Depurada. Na verdade, surge com uma baita idéia, que traz uma das melhores complicações já imaginadas para atrapalhar o casal protagonista dentro das convenções da Comédia Romântica. A complicação? Nada mais nada menos do que uma gravidez. Ora, o que é a comédia romântica senão o desejo de um garoto comer uma garota ou vice-versa? Ora e qual é o resultado bem provável senão uma gravidez? O resultado mais óbvio se transforma na complicação mais interessante. Obviamente. Apatov pensa antes de rir. Ou vice-versa.
Se aceitarmos, como eu aceito que “Desde que o cinema é cinema que a comédia romântica segue as mesmas regras: homem conhece mulher, homem e mulher se estranham no começo, homem e mulher vão se acertando, homem e mulher se amam no final”, conforme escreveu na Cinética o crítico e cineasta Eduardo Valente, então com Ligeiramente Grávidos Apatov utiliza a estrutura clássica da Comédia Romântica e a recheia com situações e motivações modernas, escondendo por trás desta fachada os velhos alicerces do gênero. Um salto e tanto na humanidade dos personagens. Garoto se transforma em Homem por causa da Mocinha mas bate muita cabeça antes. Genial. Tem pegada, não é gratuito (também não é pomposo) mas você está entendendo: não é debilóide nem acadêmico. É humano. O que separa o casal é justamente a gravidez da mocinha. Claro que o que une o casal no final é a mesma gravidez (e posterior nascimento da criança).

Então, em 2009, o parafuso aperta um pouco mais. Apatov agora fala explicitamente do que é menos engraçado: a morte. Mas fala com humor, inteligência, ternura, humanidade. O verdadeiro tema do comediante é a morte. Tem algo mais difícil de se trabalhar? É vender geladeira pra esquimó. Quem vai querer? Quando um comediante fala sobre morte, solidão, fracasso, erros, então ele se torna O Comediante. Pode falar sobre qualquer assunto agora, que sempre será verdadeiro. PhD de comediante. Funny People é o PhD de Apatov. Tem seus defeitos, claro, afinal, ninguém encara um PhD sem umas resvaladas, tanto que está sendo lançado direto em DVD no Brasil.

Mas é sempre um alento quando um comediante resolve fazer graça com o que não tem graça.

MAURO RASI

É incrível como a morte traz o esquecimento. O Brasil não tem memória. Num momento, o sucesso retumbante, no outro, seu nome não aparece nem na Wikipédia.

Pô, nem na Wikipédia! Será que ninguém pode escrever um texto sobre o Mauro Rasi na Wikipédia?

No Google, escassos sites. Escassas citações. Onde já se viu?

Mauro Rasi, que tanto ouvi falar de nome, o autor de maior sucesso nos palcos brasileiros no final dos anos 80 e durante toda a década de 90, alguém que, como Érico Veríssimo, vivia do seu trabalho artístico, está pedindo uma retomada.

É o que estou fazendo. Comecei a ler a Trilogia do Mauro, com as peças A Estrela do Lar, A Cerimônia do Adeus e Viagem a Forli, lançada pela Relume Dumará em 1993.

Já digo o seguinte, vale muito a pena. Há humor, inteligência e técnica.