quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A CERIMÔNIA DE ADEUS - MAURO RASI

Mauro Rasi parece ter sido uma criança precoce numa época quando o Brasil pouco se interessava por crianças precoces.

A se aceitar a Apresentação da Bárbara Heliodora do livro Trilogia, Juliano, o alter-ego de Rasi nas peças tem quatorze anos em A Estrela do Lar e “quatro ou cinco anos há mais" em A Cerimônia de Adeus.

Aos quatorze, Rasi/Juliano já era páreo como dramaturgo contra o próprio pai, e autor de uma obra sado-nazista alucinada e mordaz. Aos dezenove, conversava ora com amor, ora com ira com ninguém menos que Satre e Simone de Beauvoir. E o melhor, o casal francês respondia!

Que vergonha seria para Mauro ver-nos atualmente, num tempo quando a própria MTV indica que a adolescência só termina aos trinta anos (e olhe lá). E quando não mais do que 1% da “galera” sabe quem são Satre e Beauvoir (terem lido alguma coisa é pedir demais).

Imaginar Aspázia agüentando a energia, a raiva e as roupas sujas de Juliano dos dezenove aos trinta seria desgostar muito da complexa e impagável personagem, construída a partir da mãe do autor.

A idade.

Observar A Cerimônia do Adeus a partir da idade do protagonista é uma forma interessante de entrar no conteúdo dramático. Nessa peça, Juliano é um dramaturgo “público” em Bauru. Menos compreendido do que gostaria, porém determinado a criar. Em sua primeira cena, o amigo avisa:

“O Rotary falou que não pode ter palavrão lá. A aquela cena do final, em que eu grito que a civilização está podre, vai ter que sair.”

Sem ter local para exibir sua arte, é dentro de casa que sua imaginação febril ganha vida. Satre e Beauvoir, interpretados na temporada inicial, em 1987, no Rio de Janeiro, por ninguém menos do que Sérgio Britto e Natália Timberg (nenhuma dúvida de que Rasi era gênio na escalação do elenco) são para todos os demais apenas dois livros. Para Juliano, os gênios franceses são os únicos companheiros para debater as grandes causas e revoluções.

Enquanto isso, na casa da família, Aspázia está às voltas com Hermes, aqui um homem doente, sem falas ou ator a interpretá-lo, completamente diferente do personagem criado em A Estrela do Lar, com sua irmã, Brunilde e com o filho dela, o misterioso Lourenço.

A trama principal aqui é mais séria, bem mais seria. Trata-se dos efeitos da Ditadura Militar entre os moradores de uma cidade pequena, bem como dos efeitos do Existencialismo nos jovens “revolucionários”. Mas, pra falar a verdade, a peça não é tão boa quanto A Estrela.

Talvez tenha sido muito inovadora ou corajosa no final dos anos 80. Mas em 2009, o impacto não é o mesmo, a não ser que a estrutura e a trama da peça sejam exepcionais, o que não são.

Esse é um problema do tema mais o tempo em uma obra.

Na trama principal, descobre-se que Lourenço é um reacionário proto-torturador, possivelmente responsável pelo sumiço do irmão de Francisco, o melhor amigo de Juliano, bem como um sacana que engravida a amante semanas antes do seu casamento.

Em paralelo – é impressionante a capacidade de Rasi criar tramas paralelas dentro de suas peças. Uma influência do cinema, mas também um brutal conhecimento técnico. Em paralelo, a situação mais ampla da sociedade nos anos 60 (a peça se passa no final dos sessenta) dividida entre comunismo e capitalismo, liberdade e repressão, família e indivíduo é ilustrada com os diálogos de Juliano, Satre e Simone, que muitas vezes se transformam em conflitos ideológicos.

Nesse ambiente sufocante, é a condução da verdadeira estória (o iceberg do Hemingway) que ainda emociona.

A decisão de Juliano de partir, a incredulidade da mãe, a sensação de que não dava mais para Juliano ficar naquela peça, naquele mundo – essa dramaturgia, atemporal e universal, mantém-se forte em uma leitura atual.

Juliano parte. Porém, Rasi é do bem. Ele precisa daquela mãe.

A cena final, um doce epílogo, é Juliano de volta ao lar, muitos anos depois. Vem só para um breve alô, já dramaturgo de sucesso, anos 80. A mãe reclama: “Mas já? Depois de tanto tempo... mal chegou e já vai embora?” e depois: “Vê se com o sucesso não esquece da gente”.

Pode deixar, dona Aspázia, Mauro não esqueceu nunca de vocês. Deu inclusive o final da peça para a senhora, mesmo já famoso.

E depois partiu outra vez.

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