domingo, 24 de janeiro de 2010

CURB YOUR ENTHUSIASM — SEGURA A ONDA

Crônica sobre a neurose e o egoísmo

“Voy a hablar de la comedia que más me gusta. Pero debo hacerlo con cuidado, porque — sin duda — no es la mejor comedia. Las hay mucho mejores, y no quiero engañar al lector. Lo que tiene Curb Your Enthusiasm es que su creador es un reverendo hijo de puta. Uno de verdad: con su maravilloso egoísmo y su mezquindad caprichosa”.

Segura a Onda é um seriado da HBO americana, produzido, escrito e estrelado por Larry David. O cérebro por trás de Seinfeld (Jerry Seinfeld sempre foi o coração).

Nesse seriado, assistimos ao que deve ser tomado como uma versão da vida real de “Larry David”, 62 anos, comediante, homem de TV e protagonista do mais recente filme do Woody Allen. Suas desventuras egóicas e mesquinhas, sua visão de mundo, seu talento para arrasar o lugar-comum (às vezes sob o efeito de mais lugares-comuns).

Durante seis temporadas, Curb seguiu Larry pelos meandros do politicamente incorreto, mas foi na sétima temporada, apresentada ano passado pela HBO, que Larry David apresentou uma das metalinguagens mais importantes da TV.

Porque a sétima temporada foi a temporada do retorno do seriado Seinfeld à TV mundial. Um retorno que, ao final se descobre, nunca houve.

E o não haver foi o genial. Larry David brincou à vontade com “suas criações”, seus “duplos”, como uma espécie de Philip Roth de Operação Shylock. Porque em nenhum momento Jerrry, George, Kramer e Elaine (ou Jerry, Jason, Michael e Julia – os nomes verdadeiros dos atores (e atriz) do seriado) se “reuniram”.

Os atores e os personagens do seriado Seinfeld existiram apenas na realidade fictícia de Curb Your Entusiasm. Um mundo muito pouco real. Um mundo paralelo, onde a metalinguagem impera.

Nesse universo, quem manda é Larry. E o que vimos foi o que Larry achou que deveríamos ver sobre os quarto atores retomando os quatro personagens de TV icônicos, algo completamente Pirandello, por sinal.

O pior: a motivação para que o Larry David do seriado reunisse outra vez seus ex-parceiros foi basicamente como uma desculpa para se reaproximar da ex-mulher.

Que romântico!

Tomado da embriaguez da paixão, Larry começa a fantasiar que Cheryl, sua ex-esposa, voltaria a amá-lo se ele conseguisse produzir uma nova temporada de Seinfeld e amaria-o ainda mais se dela fosse o papel da ex-esposa de George Constanza.

Com o plano esboçado, Larry vai realmente à luta. E então começam as dezenas de subtramas que deram o tom da temporada.

Na subtrama do comeback, Larry, tal qual político em campanha, visita cada um dos atores para convencê-los da empreitada. O problema é que Jerry acha inverossímil que George tenha se casado (melhor, que alguma mulher tenha se casado com George). Muita argumentação depois, Larry convence Jerry do absurdo. Pronto. Aliviado, jura que “seus problemas acabaram”. Não acabaram. Jerry encontra em uma rua de Los Angeles Meg Ryan e a convida para o papel. Larry surta, claro.

Indo adiante: em determinado momento, todos aceitam que Cheryl faça o papel da ex-esposa. Começam os ensaios e, claro, começa também a violenta crise de ciúmes de “Larry” sobre “Jason”, tão íntimo de “Cheryl”, sua ex-esposa e ainda musa.

Larry decide acabar com o retorno. Não admite perder sua ex para Jason (a piada reverbera em longo alcance quando sabemos que George é o personagem criado por Larry em Seinfeld como seu duplo, o personagem em que Larry jogou muitas de suas neuroses e irritações durante as nove temporadas da série. Ser traído por Jason/George é o mesmo que o criador ser traído pela criatura e isso Larry não consegue suportar).

Mas o pior mesmo (e o mais irônico – o que significa inteligência porque não há um final realmente feliz para nenhuma das subtramas – muito menos para esta, romântica), o pior mesmo é que, quando a ex-esposa se aproxima pela primeira vez carinhosa, as manias, chatices e o individualismo exacerbado de Larry falam mais alto, impedindo a reconciliação por uma besteira. Digo, uma besteira mesmo. E, assim, por algo completamente humano.

Por outro lado...

Curb é uma crônica boba sobre um misantropo? É também. Se discute algum assunto com a profundidade cômica dos melhores Woody Allen? Não. Porém. É um produto HBO no que eles têm de mais importante: não são condescendentes com o espectador. Larry David não joga só para a torcida. Não faz o que todo mundo acha que é engraçado. O uso do anti-herói é tabu na TV. Veja a TV brasileira, acho que os últimos anti-heróis foram o Fábio Junior em Roque Santeiro e o Seu Quequé do Ney Latorraca, sem contar os personagens do Gilberto Braga, talvez o maior mestre na criação de anti-heróis da TV brasileira. Por que isso? Por que não fazer o público ir atrás? Por que sempre escrever para o público entender tudo e não se interessar de verdade por nada? Por que não entregar o novo com tanto talento que o público acaba "entrando na onda"? Eis um mistério.

Voltando à Curb e sua estrutura dramática.

Há o arco da temporada - a reunião de Seinfeld -, há o verdadeiro arco (o iceberg do Hemingway) - que é Larry buscando reatar com a ex - e há, em cada episódio, a série de quiprocós que dão o sabor único do programa. O melhor: uma situação leva à outra. O programa não é feito de piadas soltas (nada contra mas é bem mais difícil escrever muitas piadas conectadas em uma situação dramática - porque significa comédia/humor/graça MAIS continuidade narrativa).

Ao contrário da maioria dos sitcoms, não há elipses. Nos sitcoms, estamos em um único cenário e vemos uma trama ser criada por meio do diálogo. Exemplo: George marcou um encontro com uma ex-namorada. Ele conta para Jerry o que espera do encontro. George sai para o encontro. Elipse. George volta ao apartamento de Jerry (no dia seguinte, na mesma noite) e conta o que aconteceu no jantar com a ex-namorada. O humor vem das palavras, da descrição que George fará do encontro e dos comentários espirituosos de Jerry.

Em Curb, acompanhamos Larry por toda a situação. A conversa pré-encontro, a ida ao restaurante, o encontro, o desastre, o retorno para o apartamento do Jerry e mais os comentários de Jerry sobre o desastrado encontro.

Ao eliminar essa convenção do gênero (que é também uma convenção criada por motivos financeiros, pois elimina externas e diminuiu o tempo de gravação dos episódios) Larry realmente nos coloca dentro da sua visão de mundo. Porque é no meio do trânsito de Los Angeles (indo ao encontro), na fila de espera do restaurante e na conversa com o maître, nos assuntos abordados com a ex e no retorno ao apartamento do amigo que o confronto de Larry com a realidade se exibe com maior força cômica. Porque Larry não tem algo a dizer contra a ex, mas contra tudo e todos e só acompanhando-o passo-a-passo veremos por inteiro sua personalidade.

Tal experiência recebeu até uma denominação meio forçada, porém válida: “Comédia Verité”.

Curb se mostra, dessa forma, como um passo além na estética do sitcom com suas estratégias metaficionais, seu interesse em confundir as fronteiras entre a realidade e ficção (devemos lembrar que tudo é uma grande mentira em Curb) e na improvisação de muitos diálogos nas gravações (lembrando que a construção dramática de uma situação, quando bem escrita, sempre dará espaço para atores talentosos improvisarem sem que se perca a essência).

Por fim, Curb é a última estação dessa tradição muito norte-americana do humorista narciso, misantropo e incômodo que ao final acaba ganhando o carinho do público justamente por causa dos seus (nossos) defeitos.

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