quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Bored to Death - A Noir-Otic Comedy – Episódio 03

"The Case of the Missing Screenplay"

Quando se usa um episódio inteiro de uma temporada para contar uma estória que pouca avança no arco dramático geral (da temporada), a sensação que fica é a de que assistimos a uma “short—storie”, um conto, como os escritos pelo Raymond Carver, com um final abrupto, melancólico (e até mesmo amargamente romântico).

Neste episódio de Bored to Death (a meia-hora usual, sem intervalos), Jason Schwartzman, ou melhor, Jonathan Ames, um escritor viciado em beber vinho branco e em fumar maconha, encontra-se com seu editor, George, chefe na revista cultural para qual trabalha como free-lancer. lembram do Ted Danson? George é Ted Danson grisalho.

Os dois bebem martinis em um clube exclusivo de Manhattan. Jason reclama da vida, Ted quer que Jason pare de brincar de detetive particular (sem-licença, ainda por cima)e se concentre em sua carreira literária. O editor é boa-praça, tanto que conseguiu um bico no meio cinematográfico (“Mulheres, dinheiro, baladas e mais mulheres”). Ted conversou com o grande Jim Jarmusch. Jim aceitou Jason trabalhando no roteiro de seu mais novo filme.

Inverossímel? Ora, Jonhatan tem um primeiro romance que pegou, o problema é que o segundo empacou, mas seu nome – pra rimar – deslanchou no meio então, temos de acreditar.

Sim: Ted leva Jason a uma festa e apresenta-o ao diretor cult. Nem a piadinha mais óbvia é descartada: “Adoro o cabelo dele” – o que salva é que, entre o cabelo branco de Ted Danson e o de Jarmusch há mesmo um abismo a ser “adorado”.

Jarmusch, cool, entrega uma cópia do roteiro para Jason, além de comentar o quanto gostou do seu primeiro romance. Jarmusch se despede e a garota que mal-olhou para Jason quando este entrou na festa está ao seu lado, interessadíssima agora, afinal, Jason conhece Jarmusch e irá trabalhar com ele. A garota avança aos beijos em Jason.

Pouco mais tarde, ela o convida para ir à sua casa.

No táxi, conversa vai, ela fala da formatura na NYU, ele pergunta sua idade (22 anos) e, quando descem do táxi em frente a um daqueles sobrados de dois andares típicos do Brooklyn, conforme o cinema e a TV não cansam de ilustrar, a luz no segundo andar é a senha para que a garota o leve para o subsolo da casa, consultório do pai, psicólogo junguiano.

Eles caem aos beijos sobre o sofá-divã destinado aos pacientes do pai da garota. Ela fala de um baile de formatura. Jason pergunta se a NYU faz bailes de formatura. Ela despista, Jason pergunta outra vez a idade da garota. Ela responde 21. Jason acha estranho. Afinal é 22 ou 21? Ela grudada no pescoço dele, dando beijinhos. Ele saca. “Você não está na faculdade”. Ela confessa. Ele se assusta. Não quer transar com uma menor. Ela tem dezesseis, mas fará dezessete em duas semanas, não é mais virgem há um ano e, provavelmente, “sabe mais sobre sexo do que ele” (a garota tem bons diálogos). Jason está apavorado, tanto que não percebe o roteiro escorregando para trás do sofá-divã.

Lutando entre o desejo e a lei, diz sentir muito, precisa ir embora. Ela sobe no sofá, tira o vestido e dança para ele, como “uma lembrança”. Ele está achando muito difícil ter de ir embora, mas o pai da garota dá uma ajuda substancial, entrando de sopetão (nada mais teatral e antiquado, mas, como podem ver, essas entradas ainda funcionam em dramaturgia) e, vendo a filha daquele jeito, olha furioso para os lados até ver a mancha de paletó correndo para dentro do banheiro, abrindo a janela, subindo na privada e pulando para fora.

Na rua, algumas casas adiante, Jason diminui o passo, toma fôlego, apalpa-se e, claro, descobre ter deixado o roteiro do Jim Jarmusch no consultório.

Na manhã seguinte (presumo), Jason está na casa do amigão Ray, o cartunista pândega interpretado por Zach Galifianakis de Se Beber Não Case, tentando achar um jeito de recuperar o roteiro.

A esposa de Ray vem há tempos insistindo para que o marido consulte um psicólogo, e Jason convence o amigo a ir a uma sessão com o pai da garota para encontrar o “paper” (mais 50 dólares mais um jantar e é o suficiente pro cara aceitar a oferta).

O problema é que Ray sai da sessão arrasado. E sem o roteiro. Descobriu aquele tipo de besteira que nos roteiros americanos funcionam bem como frases cômicas (“se eu morrer agora ninguém que eu amo vai saber o quanto realmente os amo”, “preciso de uma cerveja, acho que vou ter que voltar pra ouvir esse cara de novo” etc).

Jason conversa com Ted Danson sobre a perda. Este, mesmo concordando que Jonhatan não deu uma de Polanski, exige que vá atrás do roteiro.

Jason marca uma consulta.

O psicólogo é durão e inteligente, descobrindo em duas frases coisas profundas sobre a vida do personagem (mais um clichê americano que nunca perde a comicidade, embora irreal).

Jason escuta, atento, surpreso. Sem esquecer, porém, de sorrateiramente enfiar a mão atrás do sofá-divã à procura do seu Graal. Gesto esse percebido pelo psicólogo, que exige do paciente “as duas mãos repousadas no colo”.

Ao final da sessão, o psicólogo entrega o roteiro a Jason (aos fanáticos por detalhes: o roteiro tinha seu nome impresso em todas as páginas – uma forma de controle e segurança contra plágios – e claro, Jonhatan marcou a sessão com seu nome real).

Jason pede desculpas pelo lance com a filha do psicólogo e jura não ter passado dos beijos. “Você acha que não sei que minha filha trás caras para transar no meu consultório? Uma forma de complexo de Elecktra, mas o que posso fazer?” (essa foi boa).

Jason pede mais uma vez desculpas. “Dentro desse consultório, sou um médico, lá fora, sou um pai”. O médico acompanha Jason até o jardim da casa e, como um Dr. Jekyll transformado em Mister Hyde, tão logo livre de sua persona pública, mete um socão na cara de Jason, como pai, bem entendido, só pra deixar claro sua posição.
Jason se manda, apavorado.

Então, o gran finale.

Jason, roteiro na mão, assiste ao nosso genial Jarmusch pedalar uma bicicleta ao redor (e no interior) de um galpão vazio, o lugar que Jarmusch afirma usar para ter suas melhores idéias.

Quem leu o velho Henry Miller logo percebe a semelhança. Em um dos Trópicos, lemos que Henry adorava patinar pelo escritório onde trabalhava, relaxando, tal qual dândi nova-iorquino, antes de enfrentar nova sessão à máquina de escrever.

Jarmusch está no personagem de cineasta-cabeça, circulando numa bike antiquada com buzininha (pastoral francês, se permitem), ouvindo as desculpas de Jason por ter atrasado o parecer sobre o roteiro.

Jarmusch o interrompe. Como ele se atrasou, acabou pedindo ajuda para outro roteirista, que aceitou fazer um novo tratamento no roteiro. Decepção de Jason, que pede “Por favor, me dê uma chance”.

Jarmusch explica: “Charlie Kaufman aceitou o trabalho. Não posso dispensar Charlie”. Grande risada nossa. Realmente, Charlie...

Jason está arrasado, perdeu uma grande de entrar nos eixos profissionalmente, etc.
Jarmusch percebe e tenta dar uma força. “Não se preocupe, faço um filme a cada 4 anos. No próximo, chamarei você”.

A expressão de Jason ouvindo esse quase vaticínio é magnífica. O final, no final das contas, é tristíssimo com sua nota de ironia inteligente, sua decepção adulta, sua verdade cruel sobre o meio.

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