segunda-feira, 31 de maio de 2010

MAD MEN

“Draper? Quem sabe alguma coisa sobre esse cara? Ninguém nunca conseguiu decifrá-lo. Poderia ser o Batman, pelo que sei”.

Primeira Temporada. Episódio 3.

DIAGNÓSTICO

Acendeu a luz. Apreensivo, analisou seu rosto diante do espelho. Quando pareceu ter perdido toda a paciência, viu Otávio atravessando a porta.
- Finalmente! Desde quando você...
- Shhh. Não é hora pra brincadeiras.
Max ficou em silêncio. Então perguntou rudemente o que ele havia descoberto.
- Enxerguei a aura dela e do bebê. Parecem normais. O problema é mesmo nos órgãos internos.
- Que órgãos?
- Aquele – disse, sem muita certeza.
- Aquele qual?
- Aquele do lado esquerdo de quem vê e direito de quem tem.
- O coração?
- Eu sei distinguir um coração.
- O que você viu, afinal de contas? – perguntou, sentindo uma raiva incontrolável crescer dentro de si.
- Um momento – respondeu Otávio, deslizando para fora do banheiro.
Max aguardou mais alguns instantes, porém Otávio retornou com uma má notícia.
- Não faço ideia do que seja aquele troço, você pode me acompanhar?
Max saiu do banheiro. Escutou as ponderações de Otávio, que apontava hora para um ponto hora para outro do corpo de Tina.
- Aquele balãozinho a esquerda não me parece muito saudável. E ela tá obviamente sentindo umas cólicas da pesada, porque os intestinos tão vibrando num tom roxo. Agora, o bebê está tranquilo. Pra dizer a verdade, tá dormindo desde que eu cheguei.
Max não conteve um grande sorriso de amor.
- Mas o balãozinho e a febre...
- Que febre?
- O febrão.
Max se intrometeu na conversa entre mãe e sogra e tocou a testa da esposa. Ardia em um calor gelado. Apertou o botão da enfermagem.
- O que foi? – perguntou Tina.
- Você está ardendo em febre.
- Estou?
“Otávio?” – perguntou mentalmente.
Ele olhou para Max.
“Vamos conversar desta forma, tudo bem?”
Otávio concordou.
“Que balãozinho é esse que você observou?”
Otávio apontou para o ventre de Tina.
“Porra, não sou anatomista então... o que temos à direita? O fígado”
“Um dos rins”
“Sim, estou vendo, um de cada lado. Não é o rim, é um troço pequeno... hmmm... o apêndice?”
“Ela teve apendicite aos 24 anos”
“O que isso quer dizer? Que ela não tem mais apêndice?”
Max fez uma expressão impaciente.
“O que você acha?”
“E onde ele ficava?”
“Deixa pra lá, você não iria entender”
Otávio se afastou e saiu pela janela. Max o chamou.
“Você tá ficando sem muitas alternativas” – respondeu.
“Tudo bem, desculpe. Só tá faltando o baço”
“Tô nessa. Fecho com baço”
Uma enfermeira atendeu o chamado. Era magra e sorridente. Max explicou suas preocupações. A enfermeira mediu a temperatura da paciente e saiu apressada. Momentos depois, o médico voltou.
"Esse cara reconhece um baço quando vê um?"
"Espero que sim"
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domingo, 30 de maio de 2010

COPACABANA

Henrique Correa tinha a curva inteira da praia de Copacabana à sua frente. A vista da sacada de um quarto de hotel no oitavo andar fora projetada para que os hóspedes esquecessem os cartões-postais. Henrique suspirou enquanto tentava juntar as fatias curvas de oceano, areia, calçadão, Avenida Atlântica e dezenas de edifícios que se estendiam até o Leme, com o naco da pirâmide de pedra que avistava ao fundo.
“É o Pão de Açúcar, pai?”, Henrique perguntou, virando a cabeça para dentro do quarto.
O homem que invadiu a sacada de hotel exibindo uma disponibilidade nervosa e vestindo apenas uma rasgada bermuda jeans, confirmou. Mas a verdade é que, naquele momento, imaginou que trocaria toda a visão da praia de Copacabana por um bom trago e, quem sabe, um novo corte de cabelo. Henrique continuou explorando a cidade, incrivelmente satisfeito, enquanto o pai relembrava os fatos que o trouxeram até ali.

Marco Aurélio Pires recebera um telefonema alarmado de Totica Correa, a mãe de Henrique, pedindo para ele a encontrar “o mais rápido possível”. Quando Marco Aurélio indagou detalhes sobre o motivo para tal encontro, o primeiro em oito anos desde a separação – até mesmo mais, porque o último ano pré-separação não era lembrado por almoços entre o casal - Totica disse que precisava mostrar um texto do filho que encontrara por acaso no computador. Marco Aurélio desmarcou os diversos compromissos profissionais daquela tarde na cidade e encontrou a ex-mulher em um aconchegante café na rua Padre Chagas. Totica o aguardava em uma mesa nos fundos do Café, e para lá se encaminhou com seu jeitão de executivo, com ares de quem está acostumado a liderar pessoas no trabalho.
“Leia isso” - ela pediu, enfiando o maço de folhas na sua cara, com o mesmo olhar assustado com que o recebera.
Marco Aurélio segurou as folhas e olhou para o texto. A primeira página continha o título da obra: “Tarde de Domingo”.
“É um bilhete de suicida?”
“Não!” – tratou de informar a mãe, com grande irritação, por achar que a brincadeira era de extremo mau gosto.
Marco Aurélio folheou rapidamente o manuscrito.
“É um texto literário?”
A mãe de Henrique confirmou.
“Ele já escreve ficção?” - o pai quis saber.
“Escreve. E escreve bem. O problema é o conteúdo” – informou a mãe.
Marco Aurélio segurou o pulso da mulher, estava ficando nervoso com a situação.
“Só me diz uma coisa: ele não está mesmo tentando se matar? Ele sugere nesse texto que pensa nisso?”
“Já disse que não”
“Aconteceu alguma coisa com ele?”
“Segundo o texto, foi em um domingo. Mas se tu ainda quer ter alguma relação verdadeira com o teu filho, e se ainda for possível para ele entender o que significa de verdade uma família, tu vai ler esse negócio agora mesmo e me dizer o que pretende fazer a respeito”.
Marco Aurélio compreendeu que a ansiedade da ex-mulher era verdadeira e, tomando as dores de homem civilizado, se debruçou sobre a mesa, ajeitou os óculos de leitura e começou a ler o texto escrito pelo filho.