quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O CONCURSO ARQUITETÔNICO PESSOAL

Importante é se dar conta:

não é preciso viver o tempo todo “entre as paredes do velho mundo que erguemos dentro da gente”.

O que está erguido pode ser demolido e novas construções iniciarem.

Que tal criar um concurso arquitetônico pessoal para novas, mirabolantes e alegres construções interiores?

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

A VIDA DAS PESSOAS

Toda a estória necessita de transformação e conflito - não devemos ter pena dos personagens:

"Sempre se diz que escrever ficção exige textos mais visuais. Eu não concordo. Para mim, escrever contos, romances, teatro ou cinema é a mesma coisa, é apenas contar histórias. Você acha personagens, escreve sobre situações morais, sobre a vida das pessoas entrando em colapso."

Hanif Kureishi

sábado, 14 de novembro de 2009

DESENLACE

O desenlace.

"Era nesse ponto que Carver trabalhava com mais obsessão. Ele dizia que um conto deve terminar sem fim: 'no mesmo estado em que fica a comida quando estamos almoçando e o telefone toca'".

terça-feira, 10 de novembro de 2009

MEU NOME NÃO É ERIC

Um bar na Cidade Baixa, em Porto Alegre. Sentados em uma mesa na calçada, dois jovens de pouco mais de vinte anos conversam.

— Ela era a guria mais bonita do bar e eu tava recém na minha primeira cerveja.

— Cara, a guria mais gostosa do bar tava te secando e tu não fez nada só porque tava na primeira cerveja?

— O que eu podia fazer? Eu era assim naquele tempo. Eu era um beatnick romântico, o sexo pra mim não era desvinculado de uma atitude de conhecimento profundo das gurias. Precisava ficar meio bêbado até as conhecer direito, sacar se tínhamos coisas em comum, se éramos beats mesmo.

— E tu deixou ela escapar. É isso que tu tá me contando?

— Quê que eu posso fazer? Eu lia Eric Fromm naquela época. Ei, não é pra rir. Minha mãe me obrigava a ler este tipo de coisa.

— E tu nunca mais viu ela, a guria mais gostosa do bar te secando.

— É. Ela não apareceu mais naquele bar, pelo menos nos dias em que eu frequentava.

— E aí, a moral da história? Tu deixou de ser um “beat romântico”? O cara que não conseguia chegar numa garota antes da primeira cerveja?

— Não era a cerveja. Era o conhecimento profundo. E, bem, não leio mais Eric Fromm.

Pausa.

— Não leio mais Eric Fromm, respondi a tua pergunta.

— Não tou falando disso. Quero saber dela, dos peitos dela, da bunda dela, “Eric”.

Pausa.

— Meu nome não é Eric...

— Eu sei que não é. Estou te gozando.

— Que tu tem contra os beats?

— Não tenho nada. Nada mesmo. Nem sei do que tu tá falando.

— Jack Kerouac, Burroughs, Allen Ginsberg, esses caras foram importantes na minha vida.

— Tudo bem, Eric, podem ter sido, eu não tou falando nada.

— Sugerindo?

— Talvez.

— Olha, não venha com essa, tu é ...

Uma garota se aproxima. Muito gostosa, chama a atenção dos dois.

— (cochichando) Minha guria.

— “A” guria?

— Oi amor.

Ele a beija e puxa uma cadeira para ela sentar.

Ela vê uma conhecida duas mesas à direita e vai até lá dar um rápido “olá”.

Os amigos encontram as cabeças no centro da mesa, ares de confissão.

— Não. Nunca tive uma guria como aquela.

Ela retorna.

— Do quê cês tão falando?

— Eric Fromm. (apontando para o namorado) Ele era veado, tu sabia?

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

MATILDA

A menina pergunta a avó por que existe tanta pobreza. A avó, com a cara das avós quando são surpreendidas pelas crianças, responde porque existem mais anjos do que asas no mundo, e os anjos que não conseguem ter suas asas acabam ficando na terra, pobres, tristes, infelizes, até tornarem-se essas pessoas que vemos todos os dias na vizinhança. Eles são assim porque não conseguiram voar até o céu, diz a avó. A menina olha a avó fazendo o jantar por um longo tempo, sentada na mesa da cozinha, com os deveres da escola abertos sobre o tampo de madeira.

***
Matilda foi encontrada no galho do abacateiro, ao lado do telhado da casa, pendurada. O corpo balançando suavemente ao sabor do vento. O lençol recortado em formato de asas havia enganchado no galho, uma tira amarrada em volta do pescoço para grudar a asa ao corpo de Matilda, como uma capa de super-heroína, sufocava o pescocinho. Nas costas, a mochila do colégio. Encontraram nove outras asas, feitas de lençóis. O suficiente para acabar com a infelicidade de nove anjos, moradores daquela quadra, Matilda havia pensado.

sábado, 7 de novembro de 2009

O CORPO

Para atrizes (e atores), que possuem um fabuloso domínio corporal, é fácil dizer:

"Primeiro faça o corpo se mexer. Materializando nos movimentos coordenados do corpo as tuas vontades tudo o mais (pensamentos, emoções) seguirá o corpo como que por encanto".

Porém, como um roteirista mais acostumado a horas de labuta sentado em uma cadeira, encurvado sobre uma mesa, teclando, dá vontade de perguntar (com um sorriso meio cansado e, até mesmo, meio enferrujado):

"Será que não posso mover o corpo só com palavras?"


É claro que não, isso aprendi.

domingo, 11 de outubro de 2009

WHEN I WAS YOUNG

"Quando eu era mais jovem, minha geração não tinha paciência nem interesse por filmes imbecis. Os filmes que nos instigavam eram o novo trabalho de Truffaut, ou um Bergman, um Antonioni, um De Sica. Mas os jovens de hoje, mesmo os inteligentes, não conhecem Renoir, não conhecem Kurosawa. São analfabetos. Parece que a única coisa que têm a seu favor é o fato de serem jovens".

Woody Allen

terça-feira, 6 de outubro de 2009

SALINGERIANAS

Quinze observações sobre estilo, estrutura e conteúdo do genial escritor norte-americano:

1. os contos de Salinger exibem sobriedade, exatidão e turbulência oculta.

2. As descrições de Salinger são brilhantes. Os gestos de suas personagens – a maneira que reagem – são detalhados com precisão emocional exata.

3. Os contos de Salinger são “pequenas películas em prosa”.


4. Sobre “Pouco Antes da Guerra Com os Esquimós”:

“No mundo pós-II Guerra, quando as relações se definem pelo valor dos objetos materiais, o poder emotivo de meio sanduíche de galinha assim como a idéia ingênua de que a próxima guerra seria travada por velhos contra esquimós, pode carregar a força de um romantismo suficientemente forte para dar início a avalanche de uma amizade verdadeira?”.


5. Minimalismo Salingeriano: O conto típico de Salinger sugere uma situação extraída do seu contexto que inicia e termina sem maiores explicações.


6. O Salinger teatral:

“Pouco Antes da Guerra Com os Esquimós” não é um conto, é uma peça de teatro: as personagens entram e saem por aqui e por acolá, cruzam e descruzam as pernas, se levantam e se sentam, sempre no mesmo cenário, a sala de estar da família Graff. Os diálogos dos ‘atores’ são intercalados por gestos mínimos absurdamente bem ‘ensaiados’ – como se ensaio, apresentação e escrita se mesclassem em um único e maravilhoso momento: o momento da leitura.


7. O Salinger Obsessivo:

Buscando dominar o transcurso do tempo, quem sabe admirador do plano-sequencia cinematográfico, Salinger tenta emparelhar o tempo de leitura com o tempo interno do conto.

“Lá Embaixo, no Bote” é exemplar. O tempo que o leitor leva para ler a estória é o mesmo período de tempo necessário para a situação narrada “existir” para as personagens.

A estória: uma mãe conversa com as empregadas da casa sobre o que falta para o jantar e depois de pagar uma delas, desce até o lago da casa de férias para uma comovente conversa com o filho pequeno. Enquanto a mãe se desloca de um cenário para o outro (da cozinha da casa para o píer no lago) a descrição do ambiente, da luz do sol batendo no píer, etc dão ao leitor o tempo necessário para que tal deslocamento ocorra “de verdade” para a personagem.

Obsessão genial. Ou Salinger com uma câmera na mão.


8. O pelo de camelo: Se entre os personagens típicos de Salinger estão as crianças superdotadas e os adultos excêntricos, é fato que em algum momento alguém estará vestindo um belo casaco de pelo de camelo. Quentinho?


9. O diálogo de Salinger:
A utilização do diálogo como recurso primordial de um conto pode ser um risco. Os diálogos precisam fluir, oferecer muita informação (direta ou sugerida). Salinger é hábil e consegue dar eficácia ao diálogo. Em muitos contos, conhecemos as emoções dos personagens pelo diálogo – o que mostra o quanto Salinger foi influenciado pelas formas dramáticas – teatro e cinema.

Ian Hamilton, em sua biografia completamente-não-autorizada descreve o Salinger espectador da Broadway que chegou a imaginar para si uma vida de dramaturgo.


10. O Salinger que oculta:

“Lindos Lábios e Verdes Meus Olhos” pode ser resumido como o relato sobre um homem que está com uma mulher na cama quando toca o telefone e, do outro lado da linha, um segundo homem pergunta se o primeiro sabe onde se encontra sua mulher.

Imediatamente o leitor se pergunta: estão falando da mesma mulher? Imediatamente o iceberg da teoria de Hemingway surge à frente do leitor.

E, como sempre quando falamos de Salinger, voltamos a jogar (ou sermos jogados) com o que ocorre e o que não ocorre, com o que supomos e com o que o autor realmente está nos contando.

Para completar: “Lindos Lábios e Verdes Meus Olhos” é teatral, abusa do diálogo como forma de descrever as personagens (sugerindo tudo sobre a psicologia daqueles homens na maneira que falam e no como falam – as emoções estão ali), ocorre em dois cenários e o tempo de leitura bate com o tempo interno do conto.


11. Os dramas interiores:

Salinger surpreendeu pela novidade de seus temas, por seu estilo conciso, direto e irônico ao narrar situações cotidianas que, indiretamente, se referiam a dramas interiores abismais e dilemas profundos. Tudo envolto em uma carpintaria literária que ganha cumplicidade imediata do leitor.

A essência de suas estórias nunca é explicitada – porém, mil sinais pelo caminho nos levam a ela de uma forma inteligente, sutil.

A linguagem do narrador em terceira pessoa é sóbria, hemingwayana e desapegada.
O diálogo, com sua coloquialidade, suas imperfeições estratégicas, suas digressões e detalhes ora graciosos ora reveladores, criam uma autenticidade assombrosa.


12. A maestria de Salinger:

Está na sua capacidade de detalhar até a mais completa verossimilhança uma situação cotidiana - uma conversa entre uma patroa e suas empregadas em “Lá Embaixo, no Bote” ou uma conversa entre duas estudantes em “Pouco Antes da Guerra Com os Esquimós” ou uma conversa telefônica entre uma mãe e uma filha em “Um Dia Ideal para os Peixe-Banana” ou uma conversa saudosista e amarga entre duas ex-colegas em “Tio Wiggily em Connecticut”.

Salinger consegue provar que um dos maiores méritos de um escritor está em saber dar vida a uma situação mais do que levá-la até um desenlace transcendental ou carregado de significações densas.


13. “O talento especial de Salinger é o de criar personagens memoráveis utilizando uma impressionante economia de meios narrativos, reduzindo a ação e centrando-se em monólogos ou diálogos. O espaço deixado livre pelo diálogo, quando a narração é em terceira pessoa, é ocupado por uma linguagem neutra, seca e concisa, tão rica em verbos e substantivos como quase totalmente desprovida de adjetivos.”.


14. A Epifania:

“Salinger, leitor de James Joyce, entende que um conto não trás necessariamente uma confissão, mas uma revelação que potencialize um estado superior, que desnude ante si (o personagem) ou ante ao leitor (e, portanto, ante ao mundo) a vaga consciência de uma verdade antes silenciada ou sutilmente ignorada.
Joyce abre com Dublinenses uma sagaz modificação na narrativa e, mais especialmente, na maneira de construir contos: o conto, para Joyce, não é senão uma maneira de criar uma revelação ou o processo através do qual o herói percebe algo antes desconhecido. Joyce chama essa revelação de epifania, manifestação espiritual de uma verdade que recai sobre o meramente cotidiano e altera a realidade do herói de tal forma que esse acaba por descobrir que a realidade é um engano e a vida, um processo de desenganos, de equívocos, de ingenuidades irrecuperáveis.”.


15. “La obra de Salinger abreva en un rasgo común, una serie de revelaciones que asisten a cada personaje, potenciándolos a un estado otro, una suerte de realización o conmoción del alma que los interpela y que, al resignificarlos, los individualiza, como un continuidad, un peregrinaje dentro de su propio ser. Acaso sea ésta la particularidad que haga a tantos lectores: sentirse correspondidos sin heroísmos impolutos, sin fracasos coloreados. Hay quien dice que sólo algunas obras pueden preciarse de universales, aquellas que abordan un abanico de temas centrales para el alma humana: la muerte, el dolor, el amor, la locura, la vida, la ilusión, la búsqueda, la pérdida, el deseo de atravesarse a uno mismo. Salinger sintió esa necesidad, se hizo carne en ella”.

PERTURBAR OS CALMOS / ACALMAR OS PERTURBADOS

"Yo tuve un profesor que me caía muy bien y que aseguraba que la tarea de la buena escritura era la de darles calma a los perturbados y perturbar a los que están calmados”.

David Foster Wallace

BOGART SEGUNDO WOODY ALLEN

BOGART. Não tem segredo, garoto. As mulheres são tolas, mas nunca encontrei uma que não entendesse um tapa na cara ou um coronhada de uma quarenta-e-cinco.

ALLAN. Jamais faria isso com Nancy. Não teria nada a ver com o nosso relacionamento.

BOGART. Relacionamento?! Onde aprendeu essa palavra?

ALLAN. No final do "Casablanca", quando perdeu a Ingrid Bergman, você não ficou abalado?

BOGART. (Cruza em direção aos degraus da esquerda)
Nada que uma boa dose de uísque não pudesse resolver.


Play it again, Sam - Woody Allen

O PRIMEIRO DIA DE ENSAIOS - SIDNEY LUMET

"Geralmente o último a chegar é o roteirista. Ele é o último porque sabe que nesse ponto ele é o alvo.

Nesse ponto, qualquer coisa errada só pode ser culpa dele, já que ainda não aconteceu coisa alguma."

Fazendo Filmes - Sidney Lumet

sábado, 26 de setembro de 2009

POSSIVELMENTE IMPOSSÍVEL

"A acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida, não foi pensada a quando da construção da maior parte da rede do metropolitano, e sendo assim, as estações mais antigas, são praticamente todas inacessíveis, a pessoas com mobilidade reduzida. As estações mais recentes, foram desenhadas para terem acessibilidade, mas emplementar um sistema de acessibilidade nas velhas estações do Metropolitano de Londres, é um processo muito caro, e tecnológicamente difícil, e possivelmente impossível."

Genial trecho sobre o Metropolitano de Londres na Wikipédia - PT.

Steveland Judkins Hardaway

Esse continua o cara!

UNDERGROUND


Don DeLillo que me perdoe, mas esse foi o primeiro Underground.

PASSANDO A FAZER PARTE

“Na minha juventude, a literatura fazia parte integrante da vida: absorvia-se, era assimilada pelo nosso organismo. Não se era conhecedor, esteta, amante da literatura. Não, a literatura era uma forma de vida, algo que se ingeria, que passava a fazer parte da nossa própria substância, algo que constituía um caminho de libertação e de liberdade plena”.

Saul Bellow

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

"ALGO QUE NO HA CONFESADO A NADIE"

Almodóvar escreve como poucos.

Mesmo no seu blog é fácil sair do "estado de leitura" e simplesmente "assistir" suas palavras.

O genial cineasta espanhol escreve crônica, ensaio, opinião pessoal, narra sequencias de filmes que admira - tudo no mesmo post.

O título deste post, por exemplo.

Uma exemplar frase almodovariana dentro do post "Notas sobre 'Los Abrazos Rotos'" - que narra seu estado de espírito ao terminar de escrever o roteiro de Abrazos Rotos justo na mesma semana da morte da atriz Deborah Kerr.

A partir desse dois fatos, Almodóvar recorda qual papel da atriz veio-lhe à cabeça no exato momento em que leu a notícia do falecimento: o papel de Hannah Jelkes em La noche de la Iguana - do John Huston a partir da peça do Tennesse Williams.

E lembrar a personagem só se torna relevante se o monólogo que o fez lembrar daquela personagem da Deborah Kerr no momento em que leu a notícia de sua morte for digitado na íntegra.

Então é preciso partir para uma pra-lá-de-inteligente análise do porquê John Houston ter escolhido filmar o monólogo exatamente como foi escrito para a peça ao invés de roteirizar um flashback que dramatizaria a estória contada no já referido monólogo.

Para tanto, escreve uns pitacos sobre as diferenças entre cinema e teatro.

E logo avisa: vai inserir um monólogo no final do seu filme, Abrazos Rotos, que acabara de escrever, em homenagem a atriz.

Para então, numa auto-análise "básica", explicar:

"Detesto y rechazo las confesiones en la vida real, pero disfruto cuando se las escribo a mis personajes, y sobre todo cuando dirijo a los actores en ese tipo de escenas"

e assim vai.

Incrível.

Digo:

Incrível MESMO.

Tudo sobre esse post é encontrado aqui:

http://www.pedroalmodovar.es/PAB_ES_01TAbrazosRotos.asp

AMERICANOS x EUROPEUS

Jane Campion, cineasta australiana - O Piano -, veio com uma comparação bem interessante entre americanos e europeus "no que tange" a grana & produção cinematográfica:

"Nós na Austrália nunca levamos os norte-americanos a sério. Eles são ótimos para elogiar, mas quando se trata de colocar dinheiro, você não vê [a cor dele]. É muito diferente dos europeus, que são muito contidos no que têm a dizer mas colocam dinheiro [nos filmes]."

terça-feira, 15 de setembro de 2009

FRANNY & ZOOEY

Franny & Zooey, o livro, é formalmente dividido em duas partes.

Os contos Franny / Zooey foram escritos e publicados em anos diferentes. Franny foi publicado na The New Yorker em 1955 e Zooey, na mesma revista, em 1957.

Pois bem. Tal diferença de espaço/tempo dos contos foi suprimida por Salinger com um toque de gênio, porque F & Z, o livro, publicado em 1961, é na verdade a estória do colapso nervoso de uma garota de 16 anos e sua posterior cura.

GOSFORD PARK E PAUL AUSTER

Em Gosford Park , Elsie (Emily Watson) deixa a mansão McCordle como a criada sem eira nem beira que, num acaso Austeriano, sai pela porta da frente da mansão no mesmo instante em que o produtor de cinema americano Morris Weismann (Bob Balaban) liga o motor do seu carro.

O produtor gentilmente a convida para uma carona e então Elsie tem sua Grande Frase, enquanto entra no carro, ao lado do ator inglês que não aguenta mais o modo de vida inglês e do produtor - ou seja: do Novo Mundo representado tanto pela América e seus sonhos democráticos quanto por Hollywood (o filme se passa em 1932):

"Quando deixaremos de nos importar com a vida deles e começaremos a viver nossas próprias vidas?"

Quem são "eles"? Os aristocratas decadentes. Quem somos "nós"? Nós, o povo - as pessoas comuns.

O carro arranca e adeus, não vemos mais esses personagens. A ação dramática continua dentro da mansão.

Já Elsie talvez tenha um novo destino, entrando no carro do produtor Weiseman, ao lado do astro inglês. Talvez seja convidada a conhecer a Califórnia. Quem sabe.

O interessante é que naquele momento quis que o filme parasse e um link se abrisse para um outro filme, desta vez com roteiro do Paul Auster - porque seria essa a estrada que Paul Auster escolheria.

A estrada de Palácio da Lua, por exemplo, de estranhas coincidências e de pessoas do mundo refazendo suas vidas numa América simbólica, quase totalmente submersa atualmente, onde você é aquilo que faz e nunca aquilo que foi.

Gosford Park - direção de Robert Altman - roteiro de Julian Fellowes.

A MULHER DO TENENTE FRANCÊS

Escrevendo papéis masculinos - Homens que amam Mulheres - Tá difícil?

6. A Mulher do Tenente Francês é na Verdade um filme sobre a sensibilidade masculina ou, ao menos, o tanto quanto o Jeremy Irons consegue expressar e, convenhamos, o cara consegue.

Homens amam Mulheres, quem duvida?

O FILHO DA NOIVA

Escrevendo papéis masculinos - Homens que amam Mulheres - Tá difícil?

5. O Filho da Noiva conta a estória de um homem, Héctor Alterio, que descobre amar perdidamente sua mulher justo no momento em que sua mulher perde a razão para uma doença degenerativa. Entender a aflição desse homem é o que o filho, Ricardo Darín, precisa aprender para não repetir o descaso do pai com (contra) as mulheres (filha, namorada, ex-esposa) de sua vida.

Homens amam Mulheres, quem duvida?

CARNE TRÊMULA

Escrevendo papéis masculinos - Homens que amam Mulheres - Tá difícil?

4. Por uma transa inesquecível, Liberto Rabal se mete numa confusão que acaba e rima com sua prisão. O pior é que depois de solto a primeira coisa que faz é procurar outra vez sua complicada amante, Francesca Neri - que nunca esteve nem aí pra ele. Em Carne Trêmula, os homens são carentes completos.

Homens amam Mulheres, quem duvida?

MANHATTAN

Escrevendo papéis masculinos - Homens que amam Mulheres - Tá difícil?

3. Em Manhattan, Woody Allen está as voltas com três mulheres - sua atual namorada, a jovem Mariel Hemingway, a amante de seu melhor amigo, Diane Keaton, e a língua ferina de sua ex-esposa, Meryl Streep - não por acaso, Woody precisa juntar os pedaços de seu coração e carregá-los de um lugar a outro, determinado a alcançar o amor de uma mulher.

Homens amam Mulheres, quem duvida?

O TURISTA ACIDENTAL

Escrevendo papéis masculinos - Homens que amam Mulheres - Tá difícil?

2. Um homem pode ser disputado por duas mulheres e disso sair uma boa estória, porém descobrir as razões que fazem um homem escolher essa ou aquela mulher, isso é que transforma O Turista Acidental num filme tão interessante.

Homens amam Mulheres, quem duvida?

ARIZONA NUNCA MAIS

Escrevendo papéis masculinos - Homens que amam Mulheres - Tá difícil?

1. Em Arizona Nunca Mais Nicolas Cage está de tal forma apaixonado por Holly Hunter que realizar o maior desejo da moça, ser mãe, se transforma não apenas em uma tarefa "corriqueira" (certamente prazeirosa), mas em um sequestro de proporções assombrosas.

Homens amam Mulheres, quem duvida?

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

SESSÃO DE AUTÓGRAFOS

Escritor novato em sua primeira sessão de autógrafos. Vinte e poucos anos. Veste uma garbosa jaqueta de camurça.

Na fila que se forma, é fácil distinguir uma pessoa em particular. Tão jovem quanto o escritor, vestindo terno escuro, magro, o leitor aguarda sua vez na fila. E distingui-lo é fácil porque, de forma insistente, encara o escritor com expressão azeda.

O jovem escritor para de repente de assinar seu nome, confuso, e olha para fila.

Os dois trocam um olhar de reconhecimento. O escritor fecha a cara quando reconhece seu leitor.

O sorriso amável da senhora que aguarda seu autógrafo o faz piscar os olhos, largar a expressão irritada e soltar um sorriso decente.

O escritor se nega a olhar outra vez para a fila. A partir de agora, percebemos que assina seu nome de forma quase automática, trocando palavra breves com todos.

Chega a vez do leitor colher seu autógrafo. O escritor não consegue levantar seu olhar da mesinha.

LEITOR - Ei, oi...

ESCRITOR - (levantando o olhar) Tu devia tá aqui?

LEITOR - Não sei, o que tu acha?

Escritor fica emburrado e se cala.

O leitor se diverte.

LEITOR - Não quer me dar um autógrafo?

ESCRITOR - Jura que tu tá interessado nisso.

LEITOR - Tô sim. Olha o livro aqui.

Escritor olha o exemplar na mão do leitor, que pousa o livro na mesa de autógrafos.

Escritor está sem reação. E ainda assim, completamente incomodado.

(Por mais difícil que fosse manter a caneta entre seus dedos, por maior desprezo que sentisse pelo jovem, ele nunca ouvira falar de um autor que se negasse a autografar seu próprio livro em uma sessão de autógrafos).

Escritor suspira, derrotado. Pega o livro pra assinar.

O leitor, com um gesto ágil, puxa o livro de volta.

LEITOR - Pensando melhor...

ESCRITOR - (explode) Eu sabia! Porra!

LEITOR - (irritado) Presta atenção! Tu sabe porque eu vim aqui. Quero uma explicação.

ESCRITOR - Explicar o quê? Tu acha que preciso pedir desculpas?

LEITOR - Tu vai achar, no final, quando ela não aparecer.

ESCRITOR - Ela não vem?

LEITOR - O que tu acha?

Logo atrás, impacientes, outros leitores davam mostra de que não suportariam mais aquela discussão. O leitor aproveitou a deixa e desapareceu na direção de uma bandeja com vinho tinto que um garçom carregava.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

UNIVERSOS

Manhattan
Allen trata de casais, seu assunto é a discussão amorosa.

As Leis de Família
Burman trata de pais e filhos.

Segredos e Mentiras
Leigh trata de família inteiras.

Minha Adorável Lavanderia
Fears trata de pessoas diferentes que se tornam amigos e lutam contra meio ambiente e família.

A Criança
Os irmãos Dardenne tratam de pessoas e ou famílias contra o meio ambiente na chave econômica – a falta de dinheiro, educação, perspectivas fazem seus personagens agirem como tais.

Excêntricos Tannenbauns
Anderson trata dos efeitos nos filhos da vida anterior com seus pais – a infância. E o quanto eles vivem sempre presos ao passado.

MIDPOINT - TONY BLUNDETTO

Um exemplo exato de Midpoint: é o final do sexto capítulo da quinta temporada de Família Soprano. Quando Tony Blundetto (Steve Buscemi) abandona sua experiência de "homem comum" e volta para a família.

Se olharmos a quinta temporada e seus treze epísódios como um grande arco, vamos encontrar o ponto de virada desta subtrama bem no centro - lá no alto - "pronta para cair".

Outras subtramas correm em paralelo. Algumas mais adiantadas, outras quase no seu final.

- Feech sai da prisão e, caindo na trama, voltou pra cana.

- Tony tentou seduzir a Dr. Melfi. Sem obter êxito, voltou a ser um paciente.

- Anthony Jr. saiu da casa da mãe, foi morar com o pai, brigou e voltou outra vez para Carmela.

- Carmela teve seu primeiro romance pós-separação. Assim como a desilusão amorosa resultante.

No caso de "Tony B": uma parábola clássica.

- Tony Blundetto, mafioso, sai da prisão decidido a abandonar seu antigo modo de vida. Na prisão virou massagista e agora pretende ganhar sua licença do Estado de New Jersey para praticar legalmente sua nova profissão. Casado com uma mulher decente, que conheceu pela internet e com um casal de garotos gêmeos, Blundetto é empregado de uma lavanderia enquanto estuda para a prova de admissão. Vez por outra, encontra seus velhos parceiros, sua "família", mas apenas para um joguinho aqui, um trago ali. Então o Destino (também conhecido por David Chase - nesse caso) exibe sua face: durante um doce passeio noturno com a esposa, observam um carro em alta velocidade passar pela rua e jogar uma sacola para o quintal de uma casa. Curiosos, enquanto ouvimos as sirenes policiais à distância, o casal abre a sacola. "É um feto?" - pergunta a assustada esposa. Blundetto abre a sacola e observa. Agora vemos o interior. Drogas e doze mil doláres. "É uma benção!" - diz a esposa.
Não será.
Blundetto, velho malandro, gasta os doze mil dólares em roupas caras e cafonas, joga, bebe, faz o que um mafioso da Old School sempre fez.
O emprego na lavanderia, o sonho de abrir negócio próprio, o chefe coreano, imigrante e batalhador que vai se tornar seu sócio na casa de massagens - tudo agora é pressão.
Blundetto, depois de uma reação catártica negativa, está pronto para encontrar Tony e pedir seu emprego de volta. Está pronto para ser ele mesmo e está exatamente no meio de do pêndulo dramático, pronto para deslizar para o lado contrário. Como todo bom personagem.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

GRAN TORINO – ENSINANDO A SER HOMEM

Thao arruma o jardim de Walt, que o observa, como sempre irritado, até o momento em que resolve trocar “umas palavras” sobre o futuro do jovem.

WALT - Não pretende ir a escola?
THAO - Sim, mas a escola custa dinheiro.
WALT - Devia arranjar um emprego, não vai poder ficar cuidando do meu jardim a vida toda.
THAO – Você podia me pagar.
WALT - Muito engraçado.
THAO - Que emprego posso arranjar?
WALT - Tem razão. Ninguém nunca vai contratar você.
THAO - Pois é...
WALT - Olhe, estou brincando, china. Você pode arranjar um emprego. Em qualquer lugar.
THAO - Tipo o quê?
WALT - Que tal em uma obra?
THAO - Em uma obra, eu? Por acaso tá com Alzheimer?
WALT - Não, pode arranjar um emprego numa obra. Tenho amigos nesse ramo. É claro que vou ter que ensiná-lo a ser homem.
THAO - Me ensinar a ser homem?
WALT – É.

Roteiro: Nick Shenk – Direção: Clint Eastwood

O GOSTO DOS OUTROS

Como é legal descobrir filmes "antigos" - esse é de 1999.
Aos 24 anos esse filme diria uma coisa, aos 34 ele diz bem mais, cresce como estória.


O Gosto dos Outros, roteiro de Jean-Pierre Bacri e Agnès Jaoui, se revela uma bela observação sobre o amor.
Quem nos ama é quem achamos que devemos amar?
O amor pode surgir através da pena? Ou da persistência? Ou do reconhecimento?


"Não se preocupe, foi por gosto" - Castella fala do afresco que encomendou dos amigos artistas de Clara, mas o que nos interessa aqui é entender o mecanismo (ou a falta dele) no interesse amoroso. O dono "grosseiro" de uma empresa de transportes pode se apaixonar por uma discreta atriz e professora de inglês? Ela acha que não. Ele se apaixona assim mesmo. Questão de gosto: "Agradar a você, como me disse, é impossível. Eu já entendi". Iremos acompanhar a mudança de percepção da atriz. Ele insiste, se faz presente, faz papel de bobo - involuntário. Ela não dá bola, depois fica com pena. Sempre distante.

Clara tem seu "súbito despertar" durante uma conversa - num teste de figurino - com sua amiga, a figurinista. Essa amiga declina de um convite para jantar. Tem um compromisso com Fred. Explica: "A vida é estranha. Nunca apostaria nessa história. Ele é tão diferente de mim. Engraçado como às vezes erramos com as pessoas. Quando penso que quase o perdi...". A atriz escuta em silêncio, quase inexpressiva, mas esse é o momento de turbulência interior (que, na literatura, renderia páginas de narração em primeira ou terceira pessoa com o objetivo de explicar tudo o que se passa em sua cabeça quando descobre que a figurinista está falando mesmo é da sua estória com Castella – nesse ponto do filme quase “perdida para sempre”.

Na cena seguinte, Clara conversa com seu amigo e pergunta se Castella irá na estréia de sua peça. Ele não sabe. Ela, nervosa, diz que o convidou - querendo dizer que não teve uma resposta dele, tentou e, agora, só pode torcer para não ser tarde demais.

Nao por acaso, ela observa aflita a platéia antes da peça começar e vê a cadeira vazia onde supomos Castella deveria estar.

Não por acaso, ela interpreta Hedda Gabler, de Ibsen, se suicidando ao final.

Não por acaso, ela mantém o semblante triste durante os aplausos, ao final da peça, e observa novamente a cadeira vazia (morta como sua personagem na peça).

E, não por acaso, abre o mais radiante sorriso visto por mim no cinema quando vê alguém na platéia.

Corta para um rosto na obscuridade, o foco ajusta e vemos Castella aplaudindo-a.

Não por acaso é esse o momento - o momento do amor, o velho Boy Meet Girl - que Clara dará finalmente o primeiro sorriso no filme.

Clara, interpretada por Anne Alvaro, vai da falta de sentido em sua vida até a alegria, o preenchimento. Tudo porque entendeu que o amor pode surgir entre “pessoas diferentes”, pode surgir de qualquer jeito porque "a vida é estranha", porque "às vezes erramos com as pessoas".

O Gosto dos Outros é puro encantamento, força artística, sublime alegria. Uma comédia romântica “adulta” que trabalha com cuidado e carinho o primeiro ato dos filmes normais.

O Gosto dos Outros termina quando o casal se reconhece como casal. O depois é outra estória. E mesmo assim, vale a pena.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

MCEWAN & HITCHCOCK – AO DEUS-DARÁ

O segundo romance de McEwan, lançado em 1981, quando o autor tinha 33 anos, demonstra maior domínio do suspense e do macabro, bem como maior influência de Hitchcock.

Desta vez, a estória é narrada em terceira pessoa.

Narrar o suspense em terceira pessoa requer habilidade. O escritor não tem a facilidade de criar uma voz alucinada ou assustadora. Ele precisa contar. Construir. O suspense nasce do acúmulo, da liberação de informações.

Desta vez, as personagens são adultas, levam vidas normais e não aguardam nada de estranho em suas vidas.

Narrar o suspense com personagens como eu ou você requer construir o suspense em oposição às personagens. Usar um cenário adequado às pretensões da estória é um bom apoio. Criar situações dramáticas/climáticas com honestidade, possíveis de acontecer com todo mundo, também.

O suspense, o desconforto, nasce da potência tanto da situação vivida pelas personagens quanto da habilidade em narrá-las. Exemplo: o esforço do casal para conseguir beber água enquanto perambulam pela cidade no amanhecer, depois de uma noitada.

Em Ao Deus-Dará o suspense não é causado por ações deliberadamente chocantes do protagonista. E também não existe um “Derek”, uma personagem que descobre as más ações do protagonista.

Em Ao Deus-Dará McEwan cria o suspense e o macabro por meio de um antagonista.

E um antagonista de respeito, diga-se de passagem. Robert surge carregando o estranhamento necessário para levar a história (o suspense) adiante e mantém-se forte durante toda a narrativa, cada vez mais surpreendente, violento, obcecado e real.

Robert tem um passado impagável, descrito com tamanho preciosismo e virtuosismo narrativo que "compramos" sua história - um legítimo flash-back no meio do livro - sem pestanejar.

A partir desse flash-back, Mcewan ganha liberdade (legitimidade) do leitor para levar o casal protagonista ao inferno.

Aqui um parêntese: como deixar crível a maldade de um antagonista? Como não explicar demais a maldade de um antagonista, a ponto de racionalizar ao limite e perder o mistério, a magia? Antagonista muito explicadinhos se tornam teses-que-falam (sou desse jeito porque tal situação "freudiana" aconteceu comigo no passado). Antagonistas pouco ou nada ou mal explicados se tornam gratuidades-que-falam (sou desse jeito porque o autor queria alguém muito-mal-porém-sem-substância, achando que isso seria o suficiente para o espectador/leitor).

McEwan cria um meio-termo pra lá de bom em Deus-Dará.

Então:

Protagonistas: temos um casal como eu e você em viagem de férias. O relacionamento deles é legal, mas não está muito legal. Eles se amam, porém a paixão já os deixou. Eles querem bons momentos, apenas isso.

Cenário: estão numa cidade estranha, num país diferente (ecos de O Homem que Sabia Demais?)

Situações: McEwan criou situações bem próximas do que normalmente ocorrem com turistas em lugares desconhecidos, porém, aumentou o grau de dificuldade. Em Ao Deus-Dará, sair para um simples jantar após as nove horas da noite torna-se uma atividade perturbadora.

Antagonismo: E temos um antagonista magistralmente plantado na história desde as primeiras páginas (só vamos descobrir a engenhosidade numa segunda leitura), que de sujeito estranho torna-se perigoso e de perigoso torna-se psicopata.

Na segunda leitura (o livro merece uma terceira, fácil), descobrimos, assustados, que esse antagonista passa de psicopata para um ser do mal absoluto, que espreita os protagonistas com a avidez e a maldade de um Deus do Mal, brincando sordidamente com a vida sossegada das pessoas comuns.

Hitch, obviamente uma influência brutal na estrutura narrativa, bateria palmas.

McEwan trintão era duca.

MCEWAN & HITCHCOCK - O JARDIM DE CIMENTO

McEwan usa em seu primeiro romance, lançado em 1978, quando o autor tinha 30 anos, o suspense e o macabro como artifícios narrativos.

O narrador é um garoto de quinze anos, Jack. Essa é uma idade boa para se entender tudo errado, agir por impulso, como todos sabem. A estratégia narrativa aumenta a sensação de vazio existencial do romance. Não há culpa. Ações são realizadas sem aparente motivação ou análise.

Em primeiro plano, a confusão adolescente, a sexualidade adolescente, a ânsia por liberdade adolescente.

Influência de Hitchcock

Como em Janela Indiscreta, o uso de um cenário constante prende nossa atenção. No caso, a casa da família de Jack. Que se transforma em um mundo à parte. Sufocante. Poucas sequências do livro são narradas em outro ambiente.

A doença da mãe, a mãe de cama, sua falta de vigor, sua morte.

Quatro filhos “entregues à própria sorte”, conforme contracapa da Editora Rocco.

Mas o elemento principal é a entrada em cena de Derek, o namoradinho de Julie (a irmã mais velha do narrador), no terço final do romance.

Com sua presença cria-se o que Hitchcock chamava de suspense.

(Alguém coloca uma bomba debaixo de uma mesa. Duas pessoas sentam ao redor dessa mesa e iniciam uma conversa).

No livro: há um corpo enterrado no porão daquela casa. Há 4 crianças sozinhas, abandonadas ‘à própria sorte”, sem a supervisão de um adulto. Há a entrada em cena de uma personagem de fora da família, que nada sabe sobre o passado.

Questão que se coloca: será que essa personagem vai descobrir o corpo? Quando? E o que vai acontecer quando ela descobrir?

O talento narrativo de McEwan nos faz ir em frente, queremos entender (desvendar) essas questões.

O final tenso, cinematográfico e correto, nada mais é do que lógico.

McEwan escreve contando com o voyerismo do leitor.

E tem razão. Observamos curiosíssimos a vida daqueles jovens.

sábado, 18 de julho de 2009

WHATEVER WORKS

Uma sacada cômica do Woody Allen que pode ser utilizada por todos é dar humor a uma situação fazendo com que problemas venham ao encontro de uma personagem:

A) arredia

B) neurótica

C) misantropa

D) egoísta

Aparentemente é o que acontece em Whatever Works, novo filme do cineasta, que só estréia no segundo semestre por aqui.

De qualquer forma, a observação é a seguinte: compor uma personagem com tais "qualidades" é encher um balão com ar quente, pronto pra explodir a qualquer momento, sob qualquer pretexto.

As motivações são infinitas.

Invente as suas!

quinta-feira, 16 de julho de 2009

INVERNO

Das falas supostamente cafajestes:

"O inverno deve ser frio para quem não tem memórias ardentes"

do roteiro de: Leo McCarey / Delmer Daves / Donald Ogden Stewart para o filme Tarde Demais para Esquecer.

terça-feira, 14 de julho de 2009

THE SOPRANOS

O genial em Família Soprano é que tu começa a rever os episódios – a segunda temporada, por exemplo – e todos parecem jovens e agem com tal leveza que tu tem vontade de gritar bem alarmado pra eles:

“Vocês nem imaginam as pressões que terão de suportar! Não fazem idéia do que ainda vai acontecer com suas vidas, seus ingênuos!”.

E quando sou tomado por esse impulso é o momento quando percebo a grandiosidade de The Sopranos.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

O CARANGUEJO NO BARBANTE II

PERSONAGENS:
AVNER – ESTUDANTE, 15 ANOS
GISELE – ESTUDANTE – 15 ANOS
CENÁRIO:
DEBAIXO DA PLATAFORMA DE PESCA DE ATLÂNTIDA NUM GELADO DOMINGO DE INVERNO.

CENA II

GISELE E AVNER DESCONFORTÁVEIS, DISTANTES ALGUNS METROS UM DO OUTRO. GISELE OLHA PARA AVNER, QUE OBSERVA O MAR QUEBRANDO CONTRA OS PILARES DA PLATAFORMA.
GISELE — Estamos sozinhos agora. (C/ ENFADO) Teu pai e o meu vão beber o dia todo.
GISELE AGARRA UMA PONTA DO SEU CABELO E A LEVA ATÉ O NARIZ. FAZ UMA EXPRESSÃO ENOJADA.
GISELE — Meus cabelos já tão com cheiro de maresia.
AVNER OLHA PARA OS LADOS.
OS DOIS ESTÃO SOZINHOS.
AVNER CRUZA OS BRAÇOS E ENCARA GISELE.
AVNER — E agora?
GISELE — (PENSATIVA) Se tu fosse legal de verdade, agora seria como nos filmes, quando o casal está sozinho e se beija e tudo escurece.
AVNER — Tu me beijaria?
GISELE — (LEVE REPRIMENDA) Eu disse se tu fosse legal mesmo.
AVNER — (DANDO DE OMBROS) E se a gente estivesse dentro de um filme...
GISELE — (DECEPCIONADA) Tu é completamente bobo. Pra dizer a verdade, tenho certeza que tu não sabe o que acontece com um casal depois que tudo escurece num filme.
AVNER — Não fala besteira!
GISELE — Besteira nada.
AVNER — É sim, a maior besteira que tu já disse na vida!
GISELE — Besteira nada!
AVNER TENTA CONTROLAR SUA IRRITAÇÃO SE ABAIXANDO. NUM IMPULSO, FORMA UMA BOLA DE AREIA ENTRE AS MÃOS.
COM A BOLA DE AREIA PRONTA, AVNER OLHA PARA GISELE COM UM MEIO-SORRISO MAROTO, ENQUANTO PESA SEU PETARDO, BALANÇANDO O BRAÇO PARA CIMA E PARA BAIXO.
AVNER FICA SÉRIO. ESMAGA COM DELICADEZA A BOLA DE AREIA COM A OUTRA MÃO.
A BOLA DE AREIA ESCORRE POR ENTRE OS DEDOS DE AVNER, ATÉ DESAPARECER.
AVNER — Ontem de noite eu vi um desses filmes em que o casal fica sozinho.
GISELE — (SURPRESA) Mesmo?
AVNER — Só que no caso desse filme que vi ontem, não falta luz nem nada. O casal faz o que tem que fazer, e a gente assiste a tudo.
GISELE PASSA A MÃO NAS PONTAS DE SEU CABELO.
GISELE — (DISSIMULANDO SEU INTERESSE) Ela era bonita?
AVNER — A garota?
GISELE — É, a garota, claro.
AVNER — Bastante. Nem era brasileira nem nada, mas era gostosa, muito gostosa.
REAÇÃO DE GISELE, QUE SE VOLTA COMPLETAMENTE PARA AVNER.
GISELE — Sou mais bonita que ela?
AVNER OLHA PARA O CORPO DE GISELE.
GISELE — Ei, te fiz uma pergunta.
AVNER — Eu ouvi.
GISELE — Então?
AVNER — Tu tá falando do rosto dela?
GISELE — Ih, nem vem com essa história! Tô falando de beleza.
AVNER — Tu é bonita, muito bonita.
GISELE — (SATISFEITA COM A RESPOSTA) Obrigada.
GISELE OLHA O MAR BATENDO CONTRA OS PILARES DA PLATAFORMA.
GISELE SORRI.
ONDA BATE CONTRA OS PILARES, COMO UMA EXPLOSÃO.

CARACTERIZAÇÃO I

O DIRETOR CHEGA NO ATOR, QUE SEGURA ALGUMAS FOLHAS GRAMPEADAS.
DIRETOR
Teu personagem é um jovem que estudou japonês no Kumon do bairro por nove anos e que, aos 18, abandonou tudo – família, mina, pré-vestibular – pra ir morar na Suécia. Entendeu?
ATOR
Nove anos estudando japonês e abandonou tudo pra viver na Suécia, hm-rm.
DIRETOR
Complexo, né?
ATOR
Ô...
DIRETOR
Sabia que tu ia entender de prima, por isso te chamei.
ATOR
Pode deixá comigo.
DIRETOR
Mata essa no peito?
ATOR
Mato e faço gol.
DIRETOR
Vai ter que decorar umas vinte palavras em japonês, tá?
ATOR
Tranquilo
DIRETOR
Umas frases em sueco...
ATOR
Tamos aí.
DIRETOR OLHA PARA OUTRO LADO, ACENA E SAI.
DIRETOR
Beijo, a gente se fala mais tarde.
ATOR SORRI AMIGAVELMENTE ATÉ DIRETOR DESAPARECER. O SORRISO VIRA UMA CARETA DECEPCIONADA. AS MÃOS ESMAGAM AS FOLHAS GRAMPEADAS ATÉ TORNÁ-LAS IRRECONHECÍVEIS.

terça-feira, 7 de julho de 2009

O CARANGUEJO NO BARBANTE I

PERSONAGENS:
AVNER – ESTUDANTE, 15 ANOS
GISELE – ESTUDANTE – 15 ANOS
CENÁRIO:
PLATAFORMA DE PESCA DE ATLÂNTIDA NUM GELADO DOMINGO DE INVERNO.

CENA I
GISELE ESBARRA EM AVNER, QUE TENTA CONTINUAR EM FRENTE. GISELE FECHA PASSAGEM.
GISELE — Ridículo o teu jeito de agir, agora a pouco.
AVNER ESBOÇA UM SORRISO DE ANUÊNCIA.
GISELE — Baita cara de pau tu ter vindo me cumprimentar.
AVNER ENCOLHE O CORPO, NUMA TENTATIVA DE PROTEÇÃO E COMEÇA A ROER A UNHA DO DEDÃO ESQUERDO. EM SEGUIDA, OBSERVA O CORPO DE GISELE COM PAIXÃO, ATÉ VOLTAR A SI, FIXANDO O OLHAR NO ROSTO DELA.
AVNER — Como tu gostaria que eu tivesse agido?
GISELE — Quem sabe de uma forma menos humilhante?
O VENTO JOGA O CABELO DE GISELE CONTRA SEU ROSTO. GISELE LIMPA COM A MÃO A MECHA DE CABELO DO ROSTO E A JOGA PARA TRÁS. ALGUNS FIOS FICAM PRESOS NO ROSTO, NOS LÁBIOS, E GISELE, IRRITADA COM A SITUAÇÃO, ASSOPRA OS FIOS DESOBEDIENTES, MANTENDO-SE SEMPRE EM POSIÇÃO DE CONFRONTO COM AVNER.
GISELE — É impressionante esse teu jeito, quer dizer, a gente chega a ficar com medo de ti. Eu sempre me senti incomodada quando te via.
GISELE PERCEBE DEFINITIVAMENTE QUE SEU CABELO SÓ IRÁ PARAR QUIETO SE O SEGURÁ-LO COM AMBAS AS MÃOS. GISELE PUXA O CABELO PARA TRÁS E SUSPIRA, DECEPCIONADA.
GISELE — Algumas gurias te acham completamente pirado.
AVNER FAZ UMA CARETA AZEDA. EM SEGUIDA, FINGE NÃO ESTAR SENTINDO-SE MAL.
AVNER — Essa é boa. De verdade, muito boa.
GISELE — Não tô brincando, não. A Michele uma vez chegou a perguntar pras tuas colegas quando é que elas achavam que tu iria fazer uma burrada violenta.
AVNER — (PARA DE ROER A UNHA DO DEDÃO, ESTUPEFATO) Burrada violenta?
GISELE — É.
AVNER — O que tu tá falando, quer fazer o favor de me explicar?
GISELE — Não te faz de bobo.
AVNER — Não tô me fazendo de bobo.
GISELE — (ESCLARECE, COM AR DE ENFADO) Entrar na sala de aula armado, ou jogar uma cadeira pela janela, essas coisas boçais e sem controle que a gente vê os pirados que estudam fazerem de vez em quando na TV.
AVNER — (MAGOADO) Eu não sou boçal. Nem sem controle. A Michele é uma histérica.
GISELE COLOCA AS MÃOS NA CINTURA E PENDE A CABEÇA PARA PERTO DE AVNER.
GISELE — Olha aqui, não vou ficar defendendo a chata da Michele, só porque ela disse um negócio que eu também penso de vez em quando.
AVNER PERCEBE QUE A GURIA ESTÁ COM O ROSTO PRÓXIMO DO DELE.
GISELE, QUE NÃO ESTÁ NEM AÍ PARA O FATO, DÁ UM LEVE TAPA NA SUA TESTA. ELA FAZ A EXPRESSÃO DE QUEM LEMBROU DE UM ASSUNTO IMPORTANTÍSSIMO, PORÉM BASTANTE DESAGRADÁVEL. EM SEGUIDA, FICA AINDA MAIS IRRITADA.
GISELE — E aqueles e-mails? Puxa, tu percebeu que coisa sem graça que tu fez? Não tava preparada pra aquilo, não tava mesmo.
AVNER FICA CONSTRANGIDO.
AVNER — Eu acho que tava mesmo meio descontrolado aquele dia...
GISELE — Aquele dia? Tu fez isso por mais de um mês. Eu nem sei como tu conseguiu o meu e-mail, se tu quer saber a verdade. E aquelas baboseiras sexuais todas?
AVNER — Me disseram que tu tinha dito uma coisa sobre mim.
GISELE — Bela tentativa. Mas eu não acredito. Tu gosta de ser assim. Deve fazer bem pro teu ego, ou coisa parecida.
AVNER — (TENTANDO SE DEFENDER) Quando eu escutei o que tu tinha dito sobre mim, fiquei furioso.
GISELE — (INCRÉDULA) Quem te disse uma besteira sem tamanho como essa? Como é que tu acredita quando alguém te diz uma coisa dessas?
AVNER — Fiquei ofendido, oras. Imagina ir a uma festa de criança e, chegando lá, perceber que a festa não tem balões, nem bolo de aniversário ou chapéus em forma de cone...
GISELE PRESTA ATENÇÃO.
AVNER ENCARA A COLEGA
AVNER — Foi assim que eu me senti...
AVNER CONSEGUE ESCAPAR, DE SOPETÃO, E SOME NA DIREÇÃO DA SAÍDA DA PLATAFORMA.
GISELE FICA NA MESMA POSIÇÃO, DE ALGUMA FORMA COMEÇANDO A ENTENDER A ATITUDE DE AVNER.

MURILO, AMANDA E AS ORQUÍDEAS


APARTAMENTO DE AMANDA. SALA. INT. NOITE
MURILO CAMINHA DE CUECA SAMBA-CANÇÃO E PARA DIANTE DE UM ARRANJO FLORAL DECORATIVO. NA CASCATA SUSPENSA COM TRÊS VASOS VEMOS SOMENTE DUAS BELAS ORQUÍDEAS.
MURILO VAI AOS POUCOS PERCEBENDO QUE ALGUMA COISA NÃO ENCAIXA. QUANDO ENTENDE QUE FALTA UMA ORQUÍDEA NO ARRANJO, DÁ MEIA VOLTA ATÉ O

APARTAMENTO DE AMANDA. QUARTO. INT. NOITE
MURILO ENTRA IRRITADO E PARA NA FRENTE DA CAMA, ONDE AMANDA SE ENCONTRA DEITADA, LENDO UM LIVRO - “CASAIS TROCADOS”, JOHN UPDIKE – COM DELEITE.
MURILO — Cadê a orquídea mais de cima? Só tem duas na cascata.
AMANDA — (OLHANDO POR CIMA DO LIVRO) Dei pra minha tia. (OBSERVA AS MÃOS VAZIAS DE MURILO) Já bebeu água?
MURILO — (A CORTANDO) Sua tia?
AMANDA — Ela se encantou com as orquídeas. E ficou tão emocionada com o presente.
MURILO — Você deu a orquídea pra sua tia só porque ela se encantou com ela?
AMANDA — Dei, ué...
AMANDA AJEITA OS TRAVESSEIROS ÀS SUAS COSTAS, AINDA SEM PERCEBER A PROFUNDA IRRITAÇÃO DE MURILO.
MURILO — (CRUZANDO OS BRAÇOS, AFETADO) Ela pediu pra você dar a orquídea ou você deu por dar?
AMANDA — Sei lá, não lembro. Onde tu quer chegar?
MURILO — Eu gostava das três orquídeas nessa cascata de vasos, você não sabia?
AMANDA — (PENSATIVA, TENTANDO RECORDAR) É, acho que tu tinha comentado.
MURILO — (CHOCADO COM O DESDÉM) Comentado? Eu disse... (BALANÇA A CABEÇA, INCRÉDULO) ...você não lembra do ano passado? Eu disse, eu comentei, nossa, eu disse ‘são perfeitas, essas orquídeas aqui nesse cantinho da sala, são perfeitas. Elas me lembram de você, da gente. O que você acha da gente nomear elas como nossas plantas oficiais?’.
AMANDA — Tu falou isso?
MURILO — Meu Deus, falei!
AMANDA — Desculpe, não lembrava.
MURILO — Amanda! Eram... nossas... plantas... oficiais... Se alguém perguntasse sobre como nosso relacionamento poderia ser descrito, eu mostraria as três orquídeas.
AMANDA — (LARGANDO O LIVRO NA CAMA) Nossa, como tu era apegado.
MURILO — A orquídea já deve tá morta há essa hora.
AMANDA — (ERGUE O TRONCO) Ei! Minha tia não é nenhuma matadora de flores.
MURILO — (APROXIMA-SE DA CAMA) Sua tia deve ter se lixado pro presente assim que saiu daqui. Deve ter esquecido o vaso dentro do carro, pegando sol quente. Ou pior, no porta-malas, sem luz nenhuma.
AMANDA — (AGARRANDO UM TRAVESSEIRO E APONTANDO UM DEDO) Não fala assim da minha tia!
MURILO — (AMEAÇADOR) Falo o que eu quiser!
AMANDA EMPURRA O EDREDON PARA OS PÉS DA CAMA, GIRA O CORPO E LEVANTA-SE. DEPOIS DE ENCAIXAR AS PANTUFAS NOS PÉS, INICIA UM CAMINHAR DE PASSOS RÁPIDOS, MARCIAIS E ESPAÇADOS ATÉ A

APARTAMENTO DE AMANDA. SALA. INT. NOITE
AMANDA SURGE NO MESMO PASSO. MURILO A SEGUE. AMANDA PARA DEFRONTE AO ARRANJO FLORAL E CRUZA OS BRAÇOS, INCRIVELMENTE IRRITADA.
AMANDA — Quer saber? Duas orquídeas significam muito mais o relacionamento entre um casal do que três! Que história oficial é essa de ‘orquídea oficial’ se a nossa relação não tem nada de oficial? E quem era pra ti a terceira orquídea, quem ela significava? Fala, seu puto!
MURILO ABSORVE A REPRIMENDA E FICA SEM PALAVRAS.
AMANDA BUFA PARA MURILO MAIS UMA VEZ ANTES DE VOLTAR NA MESMA DIREÇÃO, COM UM CAMINHAR IRRITADO, ATÉ DESAPARECER.
A PORTA DO QUARTO BATE COM UM ESTRONDO.
MURILO SENTE UM LEVE TREMOR QUANDO ESCUTA A PORTA BATER E OLHA PARA A DIREÇÃO DO QUARTO, COM UMA EXPRESSÃO ESTÚPIDA NO ROSTO.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

CUMPLICIDADE

Amanda disse numa voz calma, ponderada:
— Fiz uma quiche de palmito.
Murilo tirou os olhos da janela, mas não virou-se completamente para a jovem.
— Estou sem fome.
Ela concordou, com grande compreensão, porque achou completamente possível Murilo não ter vontade de comer. Ela mesma sentia o estômago cheio, irritantemente estufado, embora sua última refeição tivesse sido um café com leite e torrada com ricota, quase cinco horas atrás.
— Aceita um copo d´água? – perguntou, com suavidade.
— Não, obrigado.
— Quer tirar o paletó?
— Desculpe – disse, tirando o paletó e o largando sobre o braço do sofá com cuidado.
Então se olharam, piscaram os olhos e, como se um sinal invisível tivesse soado, a sensação de cumplicidade voltou. Eles se aproximaram e se beijaram. Primeiro um leve beijo de reconhecimento, depois um longo e apaixonado. ©

NO RESTAURANTE JAPONÊS

Escolheu um restaurante japonês com boa fama na cidade, ele aguardava sua presença.
— Já estou me sentindo em casa. – Murilo disse, assim que a viu.
— Que ótimo – ela disse, envergonhada, porque aceitar o convite de um estranho para jantar é diferente de sentar-se ao lado desse estranho.
— Se você tiver o bom gosto para outras coisas como tem com restaurantes! – Murilo comentou.
Ela mordeu os lábios. “É claro que tenho, seu boboca, não está vendo meu acompanhante no jantar?”.
— Pensava que só existissem restaurantes de churrasco em Porto Alegre.
Ela abriu um sorriso compreensivo. “Nós chamamos de ‘churrascarias’, manezão, mas tudo bem, não sou eu quem vai se zangar por causa dessas diferenças culturais irrelevantes”. E respondeu:
— Imagina! Comemos de tudo nessa cidade.
— O mais sensacional é que vocês não engordam. Veja o exemplo da Gisele Bundchen. Seu corpo tem medidas perfeitas, mesmo sendo criada a carne de costela gorda.
“Meu Deus, vou precisar de muito saquê”
—Desculpe, a Gisele Bundchen não é portoalegrense.
— Não?
— Ela nasceu e cresceu numa cidade chamada Horizontina. Fica no interior do estado. Na região noroeste. Não sei o suficiente da sua vida particular pra poder te responder como era a alimentação dela, mas se a minha vida pode servir de parâmetro, eu te diria que “carne de costela gorda” não chega bem a ser uma tara alimentar entre as gurias gaúchas.
— Verdade?
Ela esgarçou os lábios e apertou os olhos na tentativa mais bem-intencionada do mundo de parecer compreensiva.
— É...
Ele sorriu constrangido, mas o que Amanda achou mais interessante foi que no sorriso não havia nenhum traço de vergonha. Ao mesmo tempo, ela não o classificaria como um sorriso de desdém ou superioridade. Era um sorriso constrangido completamente natural para o momento.
— Desculpe sobre esse equívoco.
— Não tem problema. Nem queira saber o que pensamos sobre os cariocas em geral – ela comentou, a título de reciprocidade.
Chamou o garçom e pediu logo o saquê.©

sábado, 4 de julho de 2009

ENCONTRO NO AEROPORTO

Murilo, empurrando um carrinho de metal com sua mala, entrou no saguão do aeroporto internacional Salgado Filho bastante ansioso. Procurou reconhecer o rosto de Amanda entre as mulheres presentes e ficou desapontado quando não a encontrou. Tinha conferido seu Blackberry, ela não enviara nenhuma mensagem, o que significava que o buscaria. Mas onde ela estava? Por um momento, ele ficou decepcionado. Então, refazendo-se da desilusão emocional, seguiu em frente, na direção da porta de saída automática.
Três ou quatro metros adiante, percebeu que alguém olhava fixamente para ele. Diminuiu o passo e girou a cabeça para o lado da figura misteriosa. Uma mulher jovem, com ares europeus, usando boina, óculos escuros e um longo sobretudo negro, o aguardava. Era uma mulher de postura elegante, como não pode deixar de notar. E sorriu para ele. Depois acenou. Não foi um aceno comedido. Ou uma saudação rápida e educada entre dois estranhos. Foi um negócio mais expansivo, cheio de carinho, agitado. “Será que é pra mim?”, ele pensou, antes de virar a cabeça para trás, esperando encontrar uma meia-dúzia de pessoas acenando de volta para a jovem (número suficiente para responder em pé de igualdade uma saudação tão extravagante). Mas não havia ninguém atrás de si, constatou, achando a situação um bocado estranha. Murilo seguiu adiante. Uma voz reclamou, irritada:
Tu não me reconheceu, seu grosso?
Ele olhou outra vez para a jovem misteriosa e dessa vez foi impossível deixar de ver Amanda.
— Você está linda! – ele disse, abrindo os braços de surpresa.
—Tu acha mesmo?
— Se eu acho? Eu tenho certeza!
Je m´appelle Amandá.
— Porque você ficou tão distante? O que aconteceu?
— Nada. Precisava te olhar de longe, ver teu rosto se aproximando do meu como se fosse um desconhecido, só pra dizer a mim mesma que tu veio pra me encontrar.
Ele fez uma carícia no seu rosto.
— Você me assustou, achei estranho ficar vagando sozinho pelo aeroporto.
— Estava tão bonitinho! Todo atrapalhado.
— Não me senti atrapalhado em momento algum.
— Ah, tava sim, fala a verdade.
— Já tinha decidido ir pra fila do táxi.
— Tu não iria me esperar? E se eu atrasasse? E se alguém batesse no meu carro?
— Você teria deixando uma mensagem.
— Às vezes não dá tempo!
— Não foi o caso, não é mesmo? Podemos esquecer o assunto?
Ela segurou o braço dele, ficando na posição para reiniciar a caminhada.
— Não tá mais aqui quem falou.
Murilo beijou Amanda. Um beijo rápido e intenso. Disse, quando saíram do aeroporto:
— O vôo não atrasou.
Amanda respondeu:
— Às vezes isso acontece.©

CANTADA

— Como é que tu descobriu meu telefone? – Amanda perguntou, num tom alarmado.
— Segredo profissional. – Murilo respondeu.
— Que absurdo – ela exclamou, querendo parecer ofendida. Mas a maneira como pronunciou sua reclamação, alongando levemente a palavra em um tom de surpresa, deixava entender que poderia estar saboreando o absurdo.
— Sua avó era carioca, mesmo? – ele perguntou, expondo logo um assunto que pudesse aproximá-los.
Ela ficou em silêncio. Ele esperou.
— Alô?
Ela suspirou.
— Nããoo. Foi só uma... maneira de te deixar... à vontade... – explicou, muito sem-jeito. Porque, aos trinta anos, jamais acreditou que passaria por situação semelhante.
Também esse foi o momento que pediu para ser fuzilada com um rímel por uma feminista ortodoxa. Ela não sabia onde enfiar a cara. Nem se conseguiria esconder o corpo inteiro dentro do seu sapato. “Deus, faça o prédio pegar fogo”, rezou, achando que só conseguiria sair debaixo da sua mesa sem ter as maças do rosto em brasa setenta e duas horas depois da ligação.
— Obrigado – ele informou, de maneira educada.
Ela sentiu tanta verdade naquele “obrigado” que foi impossível continuar afirmando a si mesma que o sujeito era só mais um filho da puta charmoso, conforme acreditara assim que atendera a chamada.
— Escuta, – disse, tomando as rédeas emocionais e tentando parecer calma e responsável — sei que foi um negócio bobo, mas...
— Eu achei muito terno. Estou em dívida com você. Posso convidá-la pra jantar?
Ela declinou o convite e fez de tudo para apressar o fim da ligação. Ele insistiu. Ela, ainda pouco à vontade, aceitou. Estava pagando por sua mentira. Deveria aceitar o castigo divino sem reclamar. Combinaram local e hora e ela desligou primeiro.
Amanda ficou por quase um minuto sem saber o que pensar. Deveria sorrir ou arrancar o fio do telefone? ©

BRIGUINHA FAMILIAR

— Que foi, meu bem? – a mãe perguntou com um tom amável, puro e completo, e sentou-se ao lado da criança.
— Bati a cabeça. Tá doendo.
— Bateu a cabeça? – quis saber, com um ar de espanto tão naturalmente criado para acalmá-lo que jamais poderia ser descrito como inverídico.
— Foi – ele completou — Aqui, ó. – disse, colocando a mão no ponto onde havia se chocado contra a cabeceira.
— Não foi nada, bebê – ela afirmou, puxando o filho para seu peito e o acalentando.
A filha olhava a cena com ar de desprezo. Não era um desprezo completo porque ela compreendia que o jogo de cena entre mãe e filhos deveria ser esse mesmo, e porque se lembrava bem de todas as vezes que precisou do carinho da mãe para suportar todos os enormemente triviais acidentes pelos quais já havia passado. Mas mesmo assim...
— Esse menino é um falso! Eu tava de olho aberto quando ele me jogou o copo d´água! Entrou água dentro do meu olho e agora eu acho que vou ficar toda roxa! Eu ainda tenho aula essa semana, você esqueceu, mãe?
A mãe ajeitou com cuidado o filho na cama, que se deitou com um suspiro de quem havia enchido o tanque de amor e carinho e começou a chupar o dedão.
— Deixa eu ver, querida. – disse, levantando-se. Segurou o rosto da filha com ambas as mãos e analisou com cuidado a região atingida.
— Tá vendo? Já tá roxo?
— Ficou um pouco vermelho.
— Eu disse!
O pai riu.
— Vermelho não é roxo. Tem uma grande diferença.
— Minha cara não tá mais normal e foi tudo culpa dele! – a filha reagiu, apontando acusadoramente o indicador na direção do irmão.
O pai achou que estava na hora de encerrar o assunto.
— Vamos esquecer tudo isso? Um, dois, três! Esqueceram?
Claaaro que não, pai!
— Pois é, que pena, pensei que ia dar certo... – disse o pai, afundando na poltrona e abrindo o jornal. ©

terça-feira, 30 de junho de 2009

DISCURSO PARA CONQUISTAR UMA GAROTA

Tu já conheces a cena. Em Madagascar 2, Moto Moto - o hipopótamo gostosão - dá em cima da Gloria com tudo o que tem. Corpão, voz de chocolate, muita testosterona. Melman, "o" girafa hipocondríaco, apaixonado platônico de Gloria entra em cena, decidido a finalmente dizer o que sente.

MELMAN PUXA MOTO MOTO PARA QUE O ENCARE DE FRENTE.
MELMAN - Escuta aqui, é melhor tratar essa moça como uma rainha. Porque você, amigão, encontrou a mulher perfeita. Se eu tivesse a sorte de encontrar a mulher perfeita eu lhe daria flores todos os dias, e não qualquer tipo de flor, tá bom? Ela adora orquídeas, brancas. E café da manhã na cama. Seis pães de forma torrados com manteiga dos dois lados, sem casca. É como ela gosta.
GLORIA OBSERVA, IMPRESSIONADA, SEM PALAVRAS, BASTANTE SURPRESA.
MELMAN - Eu daria meu ombro pra ela chorar e seria o seu melhor amigo. E passaria todos os dias tentando achar um jeito de fazer ela rir. Ela tem o riso mais...
MELMAN FINALMENTE TEM CORAGEM PARA OLHAR GLORIA.
MELMAN - Ela tem o riso mais mágico do mundo...
GLORIA COM OLHOS PREGADOS EM MELMAN.
MELMAN COM EXPRESSÃO ASSUSTADA NO ROSTO. AO MESMO TEMPO, ALIVIADO POR FINALMENTE DIZER O QUE SENTE DE VERDADE POR ELA.
MELMAN VOLTA A ENCARAR MOTO MOTO.
MELMAN - (finalizando) É isso que eu faria se fosse você. (leve tristeza, balançar de ombros) Mas não sou, é com você.
MELMAN DÁ AS COSTAS E SAI DE CENA.

Gloria agora sabe quem vale a pena amar. Touché.

Madagascar 2 – Roteiro de: Ethan Coen e Eric Darnell & Tom McGrath.

sábado, 27 de junho de 2009

ATUAÇÃO

O ator famoso deveria segurar a mão da criança e seguir caminhando pelo calçamento de pedra irregular. Dois takes foram o suficiente para o diretor. As mãos entrelaçadas do homem e da criança tinham uma força emocional completa, ainda mais quando exibidas em câmera-lenta, com a canção escolhida (um vigoroso rock setentista), preenchendo o áudio.

Na cena seguinte, o ator famoso e a criança caminhavam lado a lado, com passos vigorosos, sem darem as mãos. O ensaio foi rápido, tranquilo. Quando o diretor gritou "ação!", o menino deu uma corridinha até encaixar o passo com o ator famoso e então segurou sua mão. O ator famoso olhou surpreso para baixo. Imediatamente, procurou o diretor com expressão decepcionada, movendo a cabeça para o lado. O diretor mandou cortar. Assistentes preencheram o cenário, indo daqui para ali, ajustando os equipamentos. Só o menino continuou segurando a mão do ator famoso. Ele se irritou. "Ei, quer soltar a minha mão? Nessa cena nós não nos tocamos, tá bem? Fica longe de mim, por favor, eu não quero repetir outra vez". "Disculpa" - o menino respondeu, sua mãozinha firmemente agarrada a mão de seu novo amigo.

SAUL BELLOW E OS ROMANCES DE PERSONAGEM

Saul Bellow acreditava no poder das personagens. Artes dramáticas – teatro e cinema –só existem por causa ou através de suas personagens. Artes narrativas, não necessariamente. Escritores podem ser maravilhosos em não-ficção e romancistas médios (Martin Amis) – e portanto não usarem personagens em seus trabalhos maiores. Escritores também podem escrever romances não-focados em personagens e mesmo assim criarem grandes obras.

Saul Bellow foi um romancista que acreditava no romance-com-personagem.

Personagem e romance formam unidade tal que grande parte dos seus livros usam como título o nome da personagem principal.

Personagens no título:

The Adventures of Augie March
Henderson The King Rain
Herzog
Mr. Sammler´s Planet
Humboldt´s Gift
Ravelstein

COMÉDIA versus DRAMA

"O dramatista admira a humanidade e cria trabalhos que dizem, em essência: sob as piores circunstâncias, o espírito humano é magnífico".

"A comédia aponta que, nas melhores circunstâncias, seres humanos sempre arranjam alguma maneira de estragar tudo".

Trecho do livro Story, de Robert Mckee - Tradução: Chico Marés - Ed. Arte & Letra.

ROBERT McKEE E O "CENTRO DO BEM"

"Quando a história começa, o público, consciente ou instintivamente, analisa a paisagem das cargas de valor do mundo e das personagens, tentanto separar o bem do mal, o certo do errado, coisas de valor de coisas sem valor. O público procura o Centro do Bem. Uma vez que encontra esse núcleo, suas emoções fluem para lá”.

Trecho do livro Story - Tradução: Chico Marés - Ed. Arte & Letra.

A ORAÇÃO DE ROBERT McKEE

"Nós vamos a um contador de estórias com uma reza: 'por favor, faça com que a estória seja boa. Deixe-a me dar uma experiência que nunca tive, visões internas de uma nova verdade. Deixe-me rir de algo que nunca achei engraçado. Deixe-me comovido com algo que jamais me tocou. Deixe-me ver o mundo de uma maneira nova.
Amém".

Trecho do livro Story - Tradução: Chico Marés - Ed. Arte & Letra.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

ARTES TEMPORAIS

Como todo mundo sabe, tanto a música quanto o cinema são artes temporais. Trocando em miúdos, transcorrem – existem “fisicamente” - durante um certo e fixo período de tempo.
Depois acabam. Somem. Desmaterializam-se, ao contrário da maioria das Artes Plásticas e da Arquitetura.
Mas alguém já escreveu bem a respeito da capacidade da música de se repetir dentro de um espaço de tempo limitado e mesmo assim expressar cada vez mais emoção?
No cinema, repetir uma mesma ação, sequência, cena, situação dramática, frase ou gesto 3 ou 4 vezes é suicídio.
Imaginem o detetive descobrindo 4 X a identidade do assassino!
O espectador, como em A Rosa Púrpura do Cairo, gritará do fundo da sala de exibição: "Nós já sabemos a identidade do assassino! Agora, mexa essa bunda e vá atrás dele!" – o gesto seguinte do espectador será abandonar a sala de projeção e, espumando impaciência, exigir seu dinheiro de volta.
Na música, não.
Na música, nós queremos a repetição. Exigimos, até.
Na música, a repetição chama-se refrão.
E é pelo refrão que aguardamos. Seguidas vezes. E sempre gostamos.
Imaginem Let it Be sem o refrão. Imaginem Satisfaction sem o refrão.
Artes temporais se diferenciam num ponto: artes temporais NARRATIVAS - cinema - ou artes temporais CLIMÁTICAS - música.
Uma música pode narrar uma história (vide Bob Dylan ou Vitor Ramil), mas é a harmonia climática do refrão, do riff da guitarra, que responde pela clímax. Quanto mais harmônica, mais gostamos e mais importante será a repetição desse clímax.
No cinema ou na TV, o clímax surge em um só e único momento, sendo construído paulatinamente na duração da obra com o objetivo de ser a paulada final.
Let it Be, por exemplo, seria um filme bem ruinzinho. Seu refrão aparece pela primeira vez nos 40 segundos iniciais e é repetido trocentas vezes.
Para nosso deleite, é claro.

terça-feira, 23 de junho de 2009

OS EXCÊNTRICOS TENENBAUMS - DIÁLOGOS

Trecho 1
Personagens:
RUSTY - o ascensorista de hotel fingindo ser médico (idéia de Royal)
RICHIE - o Baumer, ex-tenista prodígio.

RUSTY EXAMINA O OLHO DE RICHIE, FERIDO POR UMA COTOVELADA DO IRMÃO CHAS.

RUSTY
Você consegue ver?

RICHIE
Não

RUSTY
(dando seu parecer)
Um pequeno dano na córnea. Me ligue se passar para o outro olho.

***

Trecho 2
Personagens:
ROYAL - o pai espertalhão que a casa retorna, fingindo estar morrendo.
HENRY - o contador de Ethel, a ex-esposa de Royal, que a pediu em casamento.

ROYAL E HENRY, TRANJANDO SEUS TERNOS CINZA, CORREM PARA A CASA VIZINHA, ATRÁS DE CHAS E ELI.

ROYAL
Posso dizer uma coisa pra você, Henry?

HENRY
Ok.

ROYAL
Eu sempre fui considerado um canalha. É o meu estilo.
Mas ficaria muito triste se você não me perdoasse.

ROYAL E HENRY CHEGAM NA CASA VIZINHA. ROYAL APERTA A CAMPAINHA.

HENRY
Não acho que você seja um canalha, Royal.
Só acho que você é um filho da puta.

ROYAL
Agradeço por isso.
Roteiro: Wes Anderson e Owen Wilson.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

STEVE KLOVES - O ROTEIRISTA DE HARRY POTTER

A Warner Brothers compra os direitos de um caminhão de livros todos os anos e os oferece aos roteiristas da casa, para leitura. Os roteiristas passam os olhos no que lhes parece interessante e retornam com suas impressões para os produtores.
A grande maioria desses livros jamais se tornará um filme. E os poucos livros realmente adaptados para as telas continuam esforçados produtos culturais presos entre dois mundos, ou duas artes, pouco justificando o dinheiro e o tempo gastos na transposição de uma história ou uma idéia de um meio para outro.

Mas, voltando a Steve Kloves.
Certa vez, na lista apresentada pela Warner havia o livro Harry Potter e a Pedra Filosofal. O livro tinha estourado na Inglaterra, mas ainda era desconhecido nos EUA.
Steve gostou do que leu. Produtores ingleses já tinham comprado os direitos e agora estavam atrás da expertise norte-americana em cinema.
Kloves, o roteirista e diretor de Susie e os Baker Boys, com Michelle Pfeiffer e Jeff Brigdes, foi o escolhido para adaptar a série.
O resultado na tela nós conhecemos. O que torna a coisa mais irônica é que o Destino às vezes bate mesmo na porta da gente.

IDADE

Johnny Cash tinha 64 anos quando gravou uma baita versão de Rusty Cage, do SoundGarden.

O PENSADOR EM MUSEU 2

Uma das boas sacadas de Uma Noite no Museu 2 é a de que O Pensador, de Rodin, está bem mais interessado em mostrar o muque, as formas do seu corpo, do que qualquer outra coisa.
Afinal, quem disse que a pose na qual foi eternizado não foi apenas um verniz pra exibir o corpo às mulheres?

AS DUAS CANÇÕES DE RANDY NEWMAN

Randy Newman é o compositor das canções de Toy Story. "You've Got a Friend in Me" virou "Amigo Estou Aqui" e é uma alegria só.
Mas ele também é o cara que se auto-copiou de uma forma como nunca vi antes.
Vai ver gostou tanto de uma canção escrita em 1990 para o filme Tiro que Não Saiu Pela Culatra (Parenthood), com Steve Martin, que não se fez de rogado e, com algumas modificações que realmente melhoraram a música, a relançou, com outro nome, em Toy Story.

Essa é uma dúvida do artista. Às vezes você sabe ter em mãos um material muito bom, porém mal aproveitado por diversas questões ou lançado ainda imaturo. Algo te diz que tal material precisa ser retrabalhado.
Outras vezes, o artista é tão possessivo e apaixonado por suas criações (como Salinger é com seus personagens), que nada lhe resta a não ser exibi-la ao mundo outra vez (e outra vez ainda, se possível), como um pai orgulhoso de seus filhos.

COADJUVANTES

ALDA X ROBERTS

Pergunta: qual desses dois atores participou de mais filmes do Woody Allen como ator coadjuvante, Tony Roberts ou Alan Alda?

A resposta:

Roberts
Annie Hall
Stardust Memories
A Midsummer Nights Sex Comedy
Hannah and Her Sisters
Radio Days

Alda
Crimes and Misdemeanors
Manhattan Murder Mystery
Everyone Says I Love You

Roberts atua também em Sonhos de um Sedutor, filme roteirizado por Allen e dirigido pelo Herbert Ross.

sábado, 20 de junho de 2009

DUSTIN HOFFMAN CORRE PARA SALVAR NOSSA ALMA

Dustin Hoffman parece ser o ator que mais vezes correu na história do cinema.

Talvez entre o finalzinho dos anos 60 e durante os 70 afora, tenha sido mesmo. Detalhe: ele não fazia filmes de ação.
Quando corria, Dustin praticava uma arte dramática. Carregava nossas emoções com ele.
Caso Dustin perdesse o passo, cairíamos junto. E ainda caímos. Via DVD.

Hoje parece claro que Dustin Hoffman corre para salvar nossa alma. Nenhum ator se locomoveu com sua intensidade. Atuar correndo é para poucos, convenhamos.

É possível fazer uma lista de suas corridas com critérios vários: motivação, horário, roupa usada, velocidade, duração...

Maratona da Morte
Dustin corre por dedicação a um esporte. Corre atrás de uma garota. Corre para salvar a vida. Estamos sempre com ele.

Kramer X Kramer
Dustin corre com o filho inconsciente nos braços em direção a um hospital. Poucas vezes um ator representou a aflição, o caos interior de um pai em tal situação.

A Primeira Noite de um Homem
A corrida mais clássica de Dustin. E a mais romântica. A mulher que ama está dentro de uma igreja, prestes a casar, e a única ação forte o suficiente quando seu carro estraga é correr feito um desesperado de amor. Ele consegue chegar a igreja. O clímax não conto.

Tootsie
Dustin já não pode mentir sobre sua identidade. Ele mesmo confessou seu plano: “tornou-se” uma mulher buscando conseguir emprego como ator. Agora precisa ir atrás da Jessica Lange, tentar seu perdão.

O MAIS IRÔNICO DOS CONTOS SALINGERIANOS

2032 – Estados Unidos. Morre um velho soldado e a imprensa descobre, surpresa, ser ele o último americano vivo a ter desembarcado no Dia D.

O sentimento geral é o de que uma página da História se encerrava.
Em uma redação, fechando a matéria, um repórter lembra existir ainda um veterano vivo.
Curiosos, os jornalistas se aproximam da mesa onde o jovem observa o mundo com olhos seguros.
“Salinger” – ele afirma.

Cinco dias depois, Salinger convoca uma coletiva em frente a sua propriedade em Cornish, New Hampshire. Falará em público pela primeira vez desde 1953. Os repórteres esperam nada menos do que um momento para ser guardado para a posteridade.

Salinger narra algumas lembranças de guerra. Não pretende aborrecer ou entreter ninguém. Não está “interessado em ser simpático”.
“A intenção é, isto sim, educar, instruir” – explica, com voz ainda firme.

PAI SARADO

Gérson gostava de malhar. Aos 48 anos, mandava bem. Academia na veia. Esteira em casa. Glutamina 3x por dia. Gostava de ver o muque dos braços no espelho, qualquer espelho.

Gérson era casado com Sandra. Tinham uma filha. Aline. 16 anos.

Era a primeira vez que Aline levava um namorado para almoçar em casa.

O pai achou o tipo um caniço. Uma vergonha. Havia um homem naquele espeto?

“Tu precisa levantar ferro, guri” – foi logo dizendo. E fez uma demonstração.

Sandra aproveitou a deixa para entrar na cozinha, preparar o almoço. Aline suspirou e bufou, mistura de raiva e vergonha do pai. Só o varapau fez expressão atenta, querendo mostrar respeito pelo sogrão.

Gérson foi logo explicando. Fazia 40 apoios por dia. Pra manter a forma, sabe como é.
“O amigo agüenta quantos?”

O rapaz deu uma risadinha. Nem educação física fazia mais na escola. Atestado médico e tudo.
Gérson engasgou. Era esse o sujeito que levaria sua filha pra longe de casa?

Se posicionou no ato, pra mostrar como se faz. O primeiro apoio saiu perfeito. O segundo também. Gérson explicava a maneira correta de flexionar os braços, para obter o máximo de resultado.

Tão entretido ficou na sua demonstração que só depois de várias flexões lembrou já ter praticado sua cota diária.

“Porra” – pensou, suando um tanto a mais do que o normal – “Quem faz quarenta faz sessenta. Fácil”.

Então uma pane geral.

A filha, que tentava esconder a vergonha olhando o quadro torto na parede, agarrou as almofadas do sofá.
Mãe, vem ver o pai!” – suplicou.
A voz da mãe saiu distante, da cozinha. “O quê?”
O pai, mãe! Rápido!”
“Teu pai fazendo apoio no chão não é mais novidade pra mim, filha” – Sandra explicou, num tom bem-humorado.
“Não é isso!” – berrou a filha em resposta.
“Teu pai não tá fazendo apoio no chão?”
“Tá...”
“Então, deixa ele” – afirmou, dando o assunto por encerrado.
“Mãe! Ele tá passando mal!”
“Mal nada. Fica bufando e gemendo só pra gente sentir pena, filha”
“Mãe! Ele tá tendo um treco!”
“Ele não tá bufando?” – a esposa perguntou, agora levemente inquieta.
“Mãe! Não sei nem se ele ainda tá respirando!”
“O quê?”
“Vem cá que tô com medo de olhar!”

Barulho de panela caindo na cozinha. Passos apressados.
“Ai Meu Deus do Céu, o que foi que teu pai aprontou dessa vez, Jesus Cristinho?”

O namorado, que ficara sem reação até o momento, corpo afundado contra o sofá, sussurrou:
“O... coroa... tá... ficando... rôxuuuu!!!”

Ainda hoje, médicos do Hospital de Pronto-Socorro de Porto Alegre comentam o excêntrico tom violáceo de certo paciente, que certa vez chegara para um atendimento de emergência.

Já o pai, anos mais tarde, quando soube de sua fama, perguntou:
"Mas, e as mulheres?!? Não comentam sobre os braços daquele paciente?”

DAYTRIPPER

Um adolescente japonês toca & canta Day Tripper, dos Beatles, em Blumenco – mistura de blues com flamenco – com seu violão.
Sim, isso existe. Tá no YouTube.
O mundo é bem maior, complexo e bizarro do que acreditamos...

quinta-feira, 18 de junho de 2009

A “ORIGEM” DOS CONFLITOS EM FAMÍLIA RODANTE

Um convite dispara a história: Matriarca da família é convidada para ser madrinha de casamento de uma sobrinha, em sua cidade natal no interior da Argentina.
Em Buenos Aires, onde vive a Matriarca, sua família não parece ter vontade ou condições financeiras para tal evento. Porém, CONSTRANGIDA pela alegria que tal convite desperta na Matriarca, decide que A ÚNICA ATITUDE CORRETA A FAZER, POR RESPEITO, será todos acompanharem-na.

Surge um problema prático, externo: como pagar essa viagem?
Dá-se um jeitinho. Para economizar, irão todos juntos, num motor home.

MOTOR HOME IGUAL AO ESPAÇO RESTRITO onde o
confinamento faz emergir os desejos e conflitos entre as personagens.

Alguns conflitos tem origem no passado, no fora de tela: antiga
paixão entre cunhados floresce.

Alguns conflitos nascem durante a viagem: prima se apaixona por primo.

Alguns conflitos acontecem com o mundo exterior – cena com os policiais, o pneu que fura.

Alguns conflitos chegam até eles – o namorado da filha mais velha, que surge de moto.

Pablo Trapero sabe que uma família e uma casa são elementos suficientes para detonar uma miríade de conflitos. Com inteligência, potencializou seu roteiro ao inserir não uma, mas DUAS famílias em um espaço único – não uma casa – ou um barraco ou uma mansão ou um apartamento de classe-média, mas uma casa rodante.

Desta forma, inserindo mais mundo, MAIS CONFLITO, à sua história.

Ótimo filme para estudar o desenvolvimento dos conflitos. Quantas cenas foram necessárias para expor, desenvolver e solucionar cada uma das subtramas do roteiro?

MANHATTAN – A ÚLTIMA CENA

Alguém já escreveu que a última cena de Manhattan (Woody Allen – 1979) é “um compêndio de todas as suas virtudes”. Concordo e digo mais: é um final virtuoso.
Não no sentido técnico - como podemos ver em De Palma ou Scorsese, com a câmera - mas sim da forma exemplar de Allen: é um final emocionalmente virtuoso.
O que faz toda a diferença.

terça-feira, 16 de junho de 2009

SABER CANTAR

Como eu queria cantar Sloop John B junto com os Beach Boys.

QUANDO MURILO E FERNANDA DECIDIRAM CASAR

Era o tempo em que nada no mundo parecia ter um significado mais completo do que a presença de Fernanda ao seu lado. Então, certa manhã de sábado, depois de correrem dois quilômetros e meio em volta da Lagoa Rodrigo de Freitas, Murilo parou para tomar fôlego e entendeu ser aquele o momento.
Fernanda estava de costas para ele, encantada com a paisagem, e quando ouviu que Murilo a chamava, virou-se para o namorado.
“Me dá um beijo”, ele pediu.
Enquanto ela se aproximava, ia dizendo: “Sabe de uma coisa? Eu acho que a gente devia...” Murilo interrompeu Fernanda com o beijo.

Quando soltarem-se dos braços um do outro, Murilo sorriu e disse: “Fiquei imaginando. E se interrompi você agora a pouco bem na hora de você dizer que deveríamos casar? Você quer uma água de côco, né? Cê ia dizer ‘acho que a gente devia tomar uma água de côco’”.
“Não. Quer dizer, sim, pra sua imaginação”, respondeu Fernanda, nem um pouco apreensiva.
“Então eu quero fazer um pedido pra você” – disse Murilo, pronto para o grande momento.
“Eu também quero fazer um pedido” – retrucou Fernanda.
“O meu pedido primeiro”.
Mulheres e crianças primeiro, não tem nem o que reclamar, esse é um procedimento internacional e você sabe muito bem”
“Mas nesse caso, os homens são os responsáveis pelo pedido” – explicou.
“Não quando a mulher ama o homem tanto ou mais do que ele”

Impasse criado, Fernanda sugeriu que fizessem um par-ou-ímpar para ver quem faria o pedido de casamento. Murilo achou a idéia “ridícula” – pediu par e perdeu.

Fernanda o segurou pelos ombros, ajeitou sua camiseta e depois arrumou seu cabelo.
“Você aceita casar comigo?” – perguntou, o deixando constrangido.
Ele baixou os olhos e fez uma careta de quem está achando tudo uma bobagem.
Ela continuava sorrindo para ele.
“Aceitou, claro, porra”, respondeu, depois de levar uma pisada no dedinho do pé direito para apressar sua resposta.
Fernanda o beijou. Depois do beijo, ela disse: “Agora você”.
Murilo disse para si que o pedido oficial começaria naquele momento.
“Fernanda, você aceita casar comigo?”.
Fernanda fez uma daquelas expressões que jamais saíram da memória de Murilo. Sem perder sua beleza, acrescentou ao rosto a complexidade da alegria, do fascínio, da certeza e da dúvida. Um maravilhamento que deixava claro o quanto o instante era único em sua vida.
“Sim. É claro que sim, meu amor”.

Murilo beijou Fernanda e, dois meses depois, repetiram o beijo, desta vez com testemunhas, convidados, prosecco gelado e um padre terrivelmente parecido com o Laurence Olivier de Maratona da Morte. ©

segunda-feira, 15 de junho de 2009

JANELA INDISCRETA – A CENA FINAL

Poucos filmes tiveram a sorte de ganhar um final tão elegante quanto Janela Indiscreta, do Hitchcock. Aquele piscar de olhos maroto foi criado para nosso deleite. E devemos agradecer.
Rememorando, grosso modo:
No conflito da subtrama amorosa, Stewart foge de um compromisso com Kelly porque entende que ela jamais aguentaria as agruras e sufocos que um fotógrafo “de guerra” vivencia.
Lisa, a personagem de Grace Kelly, é uma jovem “da sociedade”, uma burguesa alegre e Stewart fareja problemas conjugais irreconciliáveis quando o casal se encontrar, por exemplo, nas selvas do Sudoeste Asiático e ela perceber que seu shampoo acabou. Lisa discorda. Sempre discorda. Ela não é uma mocinha mimada, e ele é o único que ainda não percebeu.
Pois bem, Mistério Solucionado, clímax ultrapassado, a vida volta ao normal no apartamento de L.B.Jeffries, o personagem de James Stewart.
Então vem a Resolução do filme, que é também a resolução da tal subtrama amorosa:
A brincadeira começa quando vemos o resultado de toda aquela tensão: Stewart agora está com as duas pernas engessadas. E tira um cochilo, talvez pacificamente, talvez não muito à vontade.
Sentada em uma poltrona, à esquerda da tela, vemos Lisa, sua noiva, com olhos fixos num grosso livro titulado “Beyond the High Himalayas” (fazendo a sua parte, preparando-se para encarar a rotina de aventuras do noivo).
Pois bem, depois de um relancear de olhos em Stewart, ela põe de lado o livro (que agora descobrimos apenas fingia ler) e pega uma revista, mocozada na poltrona, voltando a se entreter com sua indispensável Harper´s Bazaar.
Fim.

Gestos definem personagens e os manuais ensinam que os apresentemos a platéia logo nos primeiros 15 minutos.
Pois bem, o que vocês acham de um filme que dá a última e definitiva pincelada no caráter de uma personagem no segundo final de um longa-metragem?

MISTER CORAÇÃO DISPONÍVEL

Uma semana depois do fim de sua relação amorosa mais duradoura, ele enviou um e-mail para trinta de seus mais chegados amigos, pedindo a boa-vontade de apresentarem-no a uma nova mulher.
A mensagem foi enviada da forma que segue: “Coração Disponível. Conhecem alguma amiga para me apresentar?”.
As respostas foram chegando aos poucos, com o passar do tempo. Vinte e duas ao todo. Percentual que o deixou satisfeito. Os amigos se importavam com sua felicidade, afinal de contas. Desse total, oito respostas foram negativas, informando não terem naquele momento ninguém de suas relações desejando engatar um namoro. Cinco amigos responderam que achavam não conhecer ninguém adequado ao seu perfil. Manteriam-se alertas.
Ele concentrou suas energias nos nove e-mails restantes. As opiniões, dicas e sugestões pareciam promissoras. “Tu vai amar minha amiga quando a conhecer, ainda não sei como não foi devidamente apresentado a ela, cara” – escreveu a amiga A. “Não faço a menor idéia se ela é a pessoa certa pra ti, mas tô louco pra apertar aquele bumbum, quem sabe você consegue”, respondeu o amigo B. “Ontem mesmo eu disse pro “...”, pode perguntar pra ele depois. Eu disse: tua não acha que “...” seria perfeita pra ele?” – comentou, eufórica, a amiga C, respondendo também pelo amigo D – porque ambos eram casados.
“Ela é professora de dança, faz astrologia e tem um buldogue francês chamado Tolkien. Já tentei de todas as formas fazê-la trocar o nome do cachorro para Cousteau, ou Jacques, que seja, mas ela não parece disposta a uma correção lingüística” – explicou o amigo E.
As demais respostas seguiram mais ou menos parecidas. Sempre em tom agradável, sempre com lembranças súbitas e definitivas da garota ideal.
Ele retornou as vinte e duas mensagens, agradecendo o entusiasmo e a presteza e iniciou os procedimentos para os encontros. “Quando tu acharia possível?” – “Quando ela vai estar disponível?” – “Na sua casa, na minha ou num restaurante-não-muito-caro?”.
Depois de enviar o último e-mail para o último destinatário, notou a chegada de nova mensagem. Era de uma amiga de longa data. Ela escrevera:
“Eu mesma. O que você acha?!?”
Um daqueles instantes carregados com a sensação de uma epifania-power abateu-se sobre ele, o fazendo compreender os motivos que o levaram a travar amizade com aquela mulher, tantos anos atrás. Ainda domando a surpresa que o abatera, exclamou, com voz deliciada e olhos fixos no conteúdo do e-mail:
“Eu? Eu acho perfeito...” ©

ABERRAÇÃO

Ele fechou a porta atrás de si e recebeu novo beijo. Ela colou seu corpo no dele, sem parar de o beijar.
Ele então segurou sua mão com força, pedindo, dessa forma, a atenção da bela mulher.
— Não transo com outra mulher há doze anos.
Ela o encarou, piscando os olhos repetidas vezes.
— Tá falando desde quando começou com... tá falando da sua ex?
— É.
Ela estudou seu rosto.
— Que tipo de aberração você é?
Foi a vez dele piscar os olhos, indeciso.
— Não sei... Sou? ©

domingo, 14 de junho de 2009

OS MELHORES COVERS DOS BEATLES

A Hard Day's Night - Goldie Hawn
Sensual, muito sensual

You´ve Got to Hide Your Love Away – Eddie Vedder
Com seu timbre rasgante, cheio de arestas, mantém a melodia sempre em primeiro plano – melancolia e maturidade

I've Just Seen A Face - David Lee Roth
Num momento “banquinhos e violões”, Lee Roth faz uma homenagem sincera e sem penduricalhos para essa country music rapidinha

In My Life - Ozzy Osbourne e Slash
Mais pomposa que a enxuta original, mesmo assim, ouvir Ozzy cantando uma balada sempre vale a pena

I´m Only Sleeping - Bob Marley
Extraordinária versão de uma das músicas mais belas de Lennon. Bob era campeão!

Dear Prudence - Siouxsie and the Banshees
Anos 80 total. Mas ficou muito boa. Prova de que canção bem feita mantêm a energia em qualquer gênero

Everybody's Got Something to Hide Except Me and My Monkey – Fats Domino
Essa, Deus escuta & dança ao lado de um Lennon em jubilo. Uma das “Mais Mais” de todos os tempos. Chora meu povo!

I've Got A Feeling - BECK
Bob 'Beck' Dylan. E mesmo assim honesta

Day Tripper - Whitesnake
Essa é a verdadeira prova de fogo para uma canção dos Beatles. Tal música suportaria ser executada numa versão hard-rock setentista? Covardale, logo ele!, prova que sim

We Can Work It Out – Steve Wonder
Sublime, enérgica, gingada, puro Wonder. Manos e Manas escutem!

Todas essas preciosidades podem ser ouvidas mais do que vista no YouTube.

sábado, 13 de junho de 2009

A VELHA VIÚVA

Décadas depois, o bom-moço genial, acessando no You Tube uma filmagem antiga, feita em um estúdio de gravação, com os Quatro preparando-se para mais um ensaio, teve sua atenção capturada pela figura sentada em uma cadeira, de costas para a tela, mas de frente para ele – tanto tempo atrás.
A figura, seguramente feminina, é registrada de uma maneira tão sugestivamente horripilante quanto, é impossível desaperceber, a “mãe” de Norman Bates, em Psicose, do Hitchcock.
Tal associação faz o senhor genial soltar uma risadinha surpresa em frente a seu notebook – apenas para efeito pictórico, uma xícara de chá repousa ao lado do note. Por incrível que pareça, o tom da risadinha consegue alcançar sentimentos tão poderosos quanto antagônicos: melancolia e excitação. Lembranças voltam. No vídeo, titulado Rare Jamming Session, Jan. 69 Eles se divertem, minutos antes do ensaio começar pra valer.
Só a figura parece tão fora de lugar, tão aterrorizantemente fora do lugar, que o senhor precisa conter a vontade fazer uma ligação para certo apartamento, em certo edifício, em frente de certo parque e perguntar:
“Vem cá, agora acho que você já pode dar a real. Você também fica incomodada quando revê as imagens, não é? Quero dizer, você compreende que não precisava ter sido daquele jeito, não é mesmo?” ©

BEATLES

Segundo o Robert Mckee, buscamos atavicamente "experiências emocionais complexas e significativas", mais ou menos isso. Alguns filmes conseguem tal proeza. Os Beatles, quase sempre.

UMA CINEBIOGRAFIA CAINDO DE MADURA

Quando é que algum produtor inglês ou americano vai botar pra frente um filme sobre o incrível Keith Moon? O ator perfeito pro papel pode ser visto em Viajem a Darjeeling. Seu nome é Jason Schwartzman.
É fácil ver o cara atrás de uma batera e destruindo quartos de hotel...