sábado, 4 de julho de 2009

CANTADA

— Como é que tu descobriu meu telefone? – Amanda perguntou, num tom alarmado.
— Segredo profissional. – Murilo respondeu.
— Que absurdo – ela exclamou, querendo parecer ofendida. Mas a maneira como pronunciou sua reclamação, alongando levemente a palavra em um tom de surpresa, deixava entender que poderia estar saboreando o absurdo.
— Sua avó era carioca, mesmo? – ele perguntou, expondo logo um assunto que pudesse aproximá-los.
Ela ficou em silêncio. Ele esperou.
— Alô?
Ela suspirou.
— Nããoo. Foi só uma... maneira de te deixar... à vontade... – explicou, muito sem-jeito. Porque, aos trinta anos, jamais acreditou que passaria por situação semelhante.
Também esse foi o momento que pediu para ser fuzilada com um rímel por uma feminista ortodoxa. Ela não sabia onde enfiar a cara. Nem se conseguiria esconder o corpo inteiro dentro do seu sapato. “Deus, faça o prédio pegar fogo”, rezou, achando que só conseguiria sair debaixo da sua mesa sem ter as maças do rosto em brasa setenta e duas horas depois da ligação.
— Obrigado – ele informou, de maneira educada.
Ela sentiu tanta verdade naquele “obrigado” que foi impossível continuar afirmando a si mesma que o sujeito era só mais um filho da puta charmoso, conforme acreditara assim que atendera a chamada.
— Escuta, – disse, tomando as rédeas emocionais e tentando parecer calma e responsável — sei que foi um negócio bobo, mas...
— Eu achei muito terno. Estou em dívida com você. Posso convidá-la pra jantar?
Ela declinou o convite e fez de tudo para apressar o fim da ligação. Ele insistiu. Ela, ainda pouco à vontade, aceitou. Estava pagando por sua mentira. Deveria aceitar o castigo divino sem reclamar. Combinaram local e hora e ela desligou primeiro.
Amanda ficou por quase um minuto sem saber o que pensar. Deveria sorrir ou arrancar o fio do telefone? ©

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