quarta-feira, 22 de julho de 2009

MCEWAN & HITCHCOCK – AO DEUS-DARÁ

O segundo romance de McEwan, lançado em 1981, quando o autor tinha 33 anos, demonstra maior domínio do suspense e do macabro, bem como maior influência de Hitchcock.

Desta vez, a estória é narrada em terceira pessoa.

Narrar o suspense em terceira pessoa requer habilidade. O escritor não tem a facilidade de criar uma voz alucinada ou assustadora. Ele precisa contar. Construir. O suspense nasce do acúmulo, da liberação de informações.

Desta vez, as personagens são adultas, levam vidas normais e não aguardam nada de estranho em suas vidas.

Narrar o suspense com personagens como eu ou você requer construir o suspense em oposição às personagens. Usar um cenário adequado às pretensões da estória é um bom apoio. Criar situações dramáticas/climáticas com honestidade, possíveis de acontecer com todo mundo, também.

O suspense, o desconforto, nasce da potência tanto da situação vivida pelas personagens quanto da habilidade em narrá-las. Exemplo: o esforço do casal para conseguir beber água enquanto perambulam pela cidade no amanhecer, depois de uma noitada.

Em Ao Deus-Dará o suspense não é causado por ações deliberadamente chocantes do protagonista. E também não existe um “Derek”, uma personagem que descobre as más ações do protagonista.

Em Ao Deus-Dará McEwan cria o suspense e o macabro por meio de um antagonista.

E um antagonista de respeito, diga-se de passagem. Robert surge carregando o estranhamento necessário para levar a história (o suspense) adiante e mantém-se forte durante toda a narrativa, cada vez mais surpreendente, violento, obcecado e real.

Robert tem um passado impagável, descrito com tamanho preciosismo e virtuosismo narrativo que "compramos" sua história - um legítimo flash-back no meio do livro - sem pestanejar.

A partir desse flash-back, Mcewan ganha liberdade (legitimidade) do leitor para levar o casal protagonista ao inferno.

Aqui um parêntese: como deixar crível a maldade de um antagonista? Como não explicar demais a maldade de um antagonista, a ponto de racionalizar ao limite e perder o mistério, a magia? Antagonista muito explicadinhos se tornam teses-que-falam (sou desse jeito porque tal situação "freudiana" aconteceu comigo no passado). Antagonistas pouco ou nada ou mal explicados se tornam gratuidades-que-falam (sou desse jeito porque o autor queria alguém muito-mal-porém-sem-substância, achando que isso seria o suficiente para o espectador/leitor).

McEwan cria um meio-termo pra lá de bom em Deus-Dará.

Então:

Protagonistas: temos um casal como eu e você em viagem de férias. O relacionamento deles é legal, mas não está muito legal. Eles se amam, porém a paixão já os deixou. Eles querem bons momentos, apenas isso.

Cenário: estão numa cidade estranha, num país diferente (ecos de O Homem que Sabia Demais?)

Situações: McEwan criou situações bem próximas do que normalmente ocorrem com turistas em lugares desconhecidos, porém, aumentou o grau de dificuldade. Em Ao Deus-Dará, sair para um simples jantar após as nove horas da noite torna-se uma atividade perturbadora.

Antagonismo: E temos um antagonista magistralmente plantado na história desde as primeiras páginas (só vamos descobrir a engenhosidade numa segunda leitura), que de sujeito estranho torna-se perigoso e de perigoso torna-se psicopata.

Na segunda leitura (o livro merece uma terceira, fácil), descobrimos, assustados, que esse antagonista passa de psicopata para um ser do mal absoluto, que espreita os protagonistas com a avidez e a maldade de um Deus do Mal, brincando sordidamente com a vida sossegada das pessoas comuns.

Hitch, obviamente uma influência brutal na estrutura narrativa, bateria palmas.

McEwan trintão era duca.

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