terça-feira, 7 de julho de 2009

MURILO, AMANDA E AS ORQUÍDEAS


APARTAMENTO DE AMANDA. SALA. INT. NOITE
MURILO CAMINHA DE CUECA SAMBA-CANÇÃO E PARA DIANTE DE UM ARRANJO FLORAL DECORATIVO. NA CASCATA SUSPENSA COM TRÊS VASOS VEMOS SOMENTE DUAS BELAS ORQUÍDEAS.
MURILO VAI AOS POUCOS PERCEBENDO QUE ALGUMA COISA NÃO ENCAIXA. QUANDO ENTENDE QUE FALTA UMA ORQUÍDEA NO ARRANJO, DÁ MEIA VOLTA ATÉ O

APARTAMENTO DE AMANDA. QUARTO. INT. NOITE
MURILO ENTRA IRRITADO E PARA NA FRENTE DA CAMA, ONDE AMANDA SE ENCONTRA DEITADA, LENDO UM LIVRO - “CASAIS TROCADOS”, JOHN UPDIKE – COM DELEITE.
MURILO — Cadê a orquídea mais de cima? Só tem duas na cascata.
AMANDA — (OLHANDO POR CIMA DO LIVRO) Dei pra minha tia. (OBSERVA AS MÃOS VAZIAS DE MURILO) Já bebeu água?
MURILO — (A CORTANDO) Sua tia?
AMANDA — Ela se encantou com as orquídeas. E ficou tão emocionada com o presente.
MURILO — Você deu a orquídea pra sua tia só porque ela se encantou com ela?
AMANDA — Dei, ué...
AMANDA AJEITA OS TRAVESSEIROS ÀS SUAS COSTAS, AINDA SEM PERCEBER A PROFUNDA IRRITAÇÃO DE MURILO.
MURILO — (CRUZANDO OS BRAÇOS, AFETADO) Ela pediu pra você dar a orquídea ou você deu por dar?
AMANDA — Sei lá, não lembro. Onde tu quer chegar?
MURILO — Eu gostava das três orquídeas nessa cascata de vasos, você não sabia?
AMANDA — (PENSATIVA, TENTANDO RECORDAR) É, acho que tu tinha comentado.
MURILO — (CHOCADO COM O DESDÉM) Comentado? Eu disse... (BALANÇA A CABEÇA, INCRÉDULO) ...você não lembra do ano passado? Eu disse, eu comentei, nossa, eu disse ‘são perfeitas, essas orquídeas aqui nesse cantinho da sala, são perfeitas. Elas me lembram de você, da gente. O que você acha da gente nomear elas como nossas plantas oficiais?’.
AMANDA — Tu falou isso?
MURILO — Meu Deus, falei!
AMANDA — Desculpe, não lembrava.
MURILO — Amanda! Eram... nossas... plantas... oficiais... Se alguém perguntasse sobre como nosso relacionamento poderia ser descrito, eu mostraria as três orquídeas.
AMANDA — (LARGANDO O LIVRO NA CAMA) Nossa, como tu era apegado.
MURILO — A orquídea já deve tá morta há essa hora.
AMANDA — (ERGUE O TRONCO) Ei! Minha tia não é nenhuma matadora de flores.
MURILO — (APROXIMA-SE DA CAMA) Sua tia deve ter se lixado pro presente assim que saiu daqui. Deve ter esquecido o vaso dentro do carro, pegando sol quente. Ou pior, no porta-malas, sem luz nenhuma.
AMANDA — (AGARRANDO UM TRAVESSEIRO E APONTANDO UM DEDO) Não fala assim da minha tia!
MURILO — (AMEAÇADOR) Falo o que eu quiser!
AMANDA EMPURRA O EDREDON PARA OS PÉS DA CAMA, GIRA O CORPO E LEVANTA-SE. DEPOIS DE ENCAIXAR AS PANTUFAS NOS PÉS, INICIA UM CAMINHAR DE PASSOS RÁPIDOS, MARCIAIS E ESPAÇADOS ATÉ A

APARTAMENTO DE AMANDA. SALA. INT. NOITE
AMANDA SURGE NO MESMO PASSO. MURILO A SEGUE. AMANDA PARA DEFRONTE AO ARRANJO FLORAL E CRUZA OS BRAÇOS, INCRIVELMENTE IRRITADA.
AMANDA — Quer saber? Duas orquídeas significam muito mais o relacionamento entre um casal do que três! Que história oficial é essa de ‘orquídea oficial’ se a nossa relação não tem nada de oficial? E quem era pra ti a terceira orquídea, quem ela significava? Fala, seu puto!
MURILO ABSORVE A REPRIMENDA E FICA SEM PALAVRAS.
AMANDA BUFA PARA MURILO MAIS UMA VEZ ANTES DE VOLTAR NA MESMA DIREÇÃO, COM UM CAMINHAR IRRITADO, ATÉ DESAPARECER.
A PORTA DO QUARTO BATE COM UM ESTRONDO.
MURILO SENTE UM LEVE TREMOR QUANDO ESCUTA A PORTA BATER E OLHA PARA A DIREÇÃO DO QUARTO, COM UMA EXPRESSÃO ESTÚPIDA NO ROSTO.

Nenhum comentário:

Postar um comentário