sexta-feira, 31 de julho de 2009

O GOSTO DOS OUTROS

Como é legal descobrir filmes "antigos" - esse é de 1999.
Aos 24 anos esse filme diria uma coisa, aos 34 ele diz bem mais, cresce como estória.


O Gosto dos Outros, roteiro de Jean-Pierre Bacri e Agnès Jaoui, se revela uma bela observação sobre o amor.
Quem nos ama é quem achamos que devemos amar?
O amor pode surgir através da pena? Ou da persistência? Ou do reconhecimento?


"Não se preocupe, foi por gosto" - Castella fala do afresco que encomendou dos amigos artistas de Clara, mas o que nos interessa aqui é entender o mecanismo (ou a falta dele) no interesse amoroso. O dono "grosseiro" de uma empresa de transportes pode se apaixonar por uma discreta atriz e professora de inglês? Ela acha que não. Ele se apaixona assim mesmo. Questão de gosto: "Agradar a você, como me disse, é impossível. Eu já entendi". Iremos acompanhar a mudança de percepção da atriz. Ele insiste, se faz presente, faz papel de bobo - involuntário. Ela não dá bola, depois fica com pena. Sempre distante.

Clara tem seu "súbito despertar" durante uma conversa - num teste de figurino - com sua amiga, a figurinista. Essa amiga declina de um convite para jantar. Tem um compromisso com Fred. Explica: "A vida é estranha. Nunca apostaria nessa história. Ele é tão diferente de mim. Engraçado como às vezes erramos com as pessoas. Quando penso que quase o perdi...". A atriz escuta em silêncio, quase inexpressiva, mas esse é o momento de turbulência interior (que, na literatura, renderia páginas de narração em primeira ou terceira pessoa com o objetivo de explicar tudo o que se passa em sua cabeça quando descobre que a figurinista está falando mesmo é da sua estória com Castella – nesse ponto do filme quase “perdida para sempre”.

Na cena seguinte, Clara conversa com seu amigo e pergunta se Castella irá na estréia de sua peça. Ele não sabe. Ela, nervosa, diz que o convidou - querendo dizer que não teve uma resposta dele, tentou e, agora, só pode torcer para não ser tarde demais.

Nao por acaso, ela observa aflita a platéia antes da peça começar e vê a cadeira vazia onde supomos Castella deveria estar.

Não por acaso, ela interpreta Hedda Gabler, de Ibsen, se suicidando ao final.

Não por acaso, ela mantém o semblante triste durante os aplausos, ao final da peça, e observa novamente a cadeira vazia (morta como sua personagem na peça).

E, não por acaso, abre o mais radiante sorriso visto por mim no cinema quando vê alguém na platéia.

Corta para um rosto na obscuridade, o foco ajusta e vemos Castella aplaudindo-a.

Não por acaso é esse o momento - o momento do amor, o velho Boy Meet Girl - que Clara dará finalmente o primeiro sorriso no filme.

Clara, interpretada por Anne Alvaro, vai da falta de sentido em sua vida até a alegria, o preenchimento. Tudo porque entendeu que o amor pode surgir entre “pessoas diferentes”, pode surgir de qualquer jeito porque "a vida é estranha", porque "às vezes erramos com as pessoas".

O Gosto dos Outros é puro encantamento, força artística, sublime alegria. Uma comédia romântica “adulta” que trabalha com cuidado e carinho o primeiro ato dos filmes normais.

O Gosto dos Outros termina quando o casal se reconhece como casal. O depois é outra estória. E mesmo assim, vale a pena.

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