segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

“LARRY DAVID” NO RIO

Uma cena para “Larry”.

Imaginem “Larry David”, criador do seriado Curb Your Enthusiasm, caminhando no calçadão de Ipanema. Veste bermuda bege, camiseta pólo azul escura, boné de pescador e sandálias com meias de cano alto. Ele caminha dividido entre digitar uma mensagem para Los Angeles no celular e olhar o bumbum das cariocas.

Uma kombi estaciona com estardalhaço ao seu lado, no meio-fio do calçadão. Imediatamente, um homem e um garoto saem da kombi e começam a retirar pilhas de cadeiras de praia, guarda-sóis (ambos vermelhos e velhos, mofados) e dois grandes isopores.

“Larry” se refaz do susto (imaginou que seria atacado) e observa. Uma buzina soa, alta, irritada. Logo outra buzina acompanha a primeira. E mais uma.

Intrigado, “Larry” estica o pescoço para ver o que está acontecendo. Uma fila de carros e ônibus se formou atrás da kombi. “Larry” não gosta do que vê. Gira a cabeça para a frente da kombi e vê que o sinal à frente está verde.

Alheios às buzinas, ao sinal verde e, principalmente, alheios à “Larry”, o homem e o menino terminam de descarregar a kombi. “Larry” desabafa para si: “Bem, caiam fora, seus malucos, antes que vocês sejam responsáveis por engarrafar o trânsito de Ipanema até o Brooklyn!”.

O menino entra na kombi e sai arrastando cinco caixas de latinhas de cerveja. “Larry” não acredita no que vê. Olha outra vez para atrás da kombi, onde carros de passeio e ônibus tentam furiosamente sair para a faixa da esquerda e, quando conseguem, passando pela kombi acelerando, os motoristas berram impropérios.

“Larry” sente-se tomado por uma comichão de pura raiva. A necessidade de intervir, de reclamar, de jogar uma luz que seja – por mais mal-humorada que seja, por mais neurótica – naquela situação absurda o invade. Ajeita os óculos com a ponta de um dedo.

“Eu não acredito. Ei. Ei! Man? Ei! Eu não acredito! Pra descarregar a kombi você parou o trânsito em Ipanema. Sabe o que significa isso? Você, com a sua kombi caindo aos pedaços, tá conseguindo atrapalhar a manhã numa das praia mais famosas do mundo.”

O homem, que se erguera para ouvir o estrangeiro, volta a se abaixar e arruma as latinhas de cerveja dentro do grande isopor.

“O senhor dê licença. Só tô trabalhando”.

“Ei. Trabalhando? Você está atrapalhando, man. Se a garota de Ipanema quiser atravessar agora na direção do mar, não vai poder. Você bagunçou o trânsito”.
O homem dá uma ordem pro menino, que levanta cinco cadeiras de praia e as carrega para a areia.

“É isso que eu estou vendo? Você só vai tirar a kombi depois de carregar toda essa tralha pra areia?”.

“Moço, só tô trabalhando”.

Larry agarra irritado o celular e tenta ler os números, a claridade do sol o atrapalha.

“Cadê, cadê? Merda, devia ter colocado os óculos escuros. Fico ridículo de óculos escuros mas... Ei! O número da polícia” – “Larry” levanta a cabeça e olha ao redor, para as pessoas que já fazem um semicírculo meio à vontade ao seu redor – “Aqui também é nine-nine-one? What? Nine-nine-one,police? No? What?”

Uma senhora reclama: “Esse aí faz isso todo o dia, moço. Todo o dia. E ó, não tá nem ai”.

Uma garota bonita, vestindo reduzidíssima e cara roupa esportiva, resolve intervir: “Eles só tão trabalhando. Só tão correndo atrás de uma grana, coitados”.

“Larry”: “Não tenho nada contra correr atrás de uma grana, mas atrapalhar o ir-e-vir de centenas de pessoas?”.

A garota bonita aumenta o tom da voz: “Deixa ele. Vai se meter com os problemas da tua cidade”.

“Larry”, paciente, tentando argumentar, segurando a onda: “Mas... Mas. São centenas de pessoas! Ele atrasa os motoristas dos carros; E atrasa os motoristas dos ônibus e. Pior. Atrasa todos os passageiros dos ônibus. E atrasa quem circula, porque fica na faixa sem saber se vai ou não vai, porque o motorista sai irritado e passa no sinal amarelo e. Bem. Porque eu preciso ter pena dele? Porque você não tem pena das pessoas dentro dos ônibus, no calor, sem ar-condicionado, atrasadas pra suas vidas?”
O homem terminou de encher os isopores.

A garota bonita diz que “Larry” é muito gringo, sempre com pressa, que precisa aprender a relaxar, a viver no Rio como os cariocas, a ser mais tranquilo.

“Larry” olha a garota de cima a baixo. Junto com a expressão admirada, um olhar traquina invade seu rosto.

“Larry”: “Você é uma gracinha. Uma gracinha. E... gostei da ideia. (vira pro homem) Quero alugar uma... (olha com nojo) Uma dessas... dessas... Essa... (se rende) cadeira? De praia. (tira uma nota do bolso) Cinco dólares, ok? Cinco dólares pela... ca...hmm, deira... (Larry mostra a nota pro homem, que a aceita).

“Larry” pega uma cadeira e a abre no meio do calçadão. As pessoas ao redor sorriem. Quem caminha precisa diminuir o passo. “Larry” se instala com meio teatral, meio vaudeville e cruza as pernas, olhando para o penhasco Dois Irmãos.

“Pronto. Aqui está ótimo”.

As pessoas que correm e caminham ficam confusas com “Larry” tomando todo o centro de um trecho do calçadão.

O homem entra na kombi e parte.

A garota bonita observa “Larry”. “Larry” observa a garota.

“Você tá atrapalhando as pessoas”.

“Não estou não”.

“Está sim”.

“Não estou. Quem estava atrapalhando era aquela kombi. Eu não”
A garota bonita injeta os olhos de pura raiva e ladra: “Egoísta” – dá uma rabanada e vai embora.

Como se liberando uma necessidade reprimida, os demais participantes iniciam uma debandada curiosa. A maioria ri enquanto se afasta, mas muitos saem xingando “Larry”, que faz sua melhor expressão de Harpo Marx, fazendo de conta que não sabe o que se passa.

“What? É proibido? What? Pegar sol agora é motivo pra cara feia?”.

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